Mais da metade das emissões de gases de efeito estufa provenientes da produção de alimentos são da cadeia de proteína animal. Pesquisadores da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, estimaram que a produção de alimentos de origem animal (incluindo ração animal) é responsável por 57% das emissões de GEE do setor alimentar, em todo o mundo.
Por ano, são aproximadamente 9,87 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente emitidas para a atmosfera, dentro de um total de 17,32 gigatoneladas de emissões relacionadas à produção de alimentos.
A pesquisa foi publicada na revista Nature Food (2021), um dos mais renomados documentos acadêmicos em circulação. O artigo indica dados preocupantes sobre o impacto ambiental negativo causado pelo setor de manejo de proteína animal.
A Carne Carbono Neutro é uma solução desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Empraba) para transformar os processos de produção e manejo de proteína animal, principalmente a carne bovina. O conceito visa diminuir os impactos ambientais advindos da produção cárnea, garantir transparência aos consumidores e, simultaneamente, mais bem-estar animal.
O efeito estufa é uma problemática que afeta cadeias produtivas de diferentes setores, além da própria qualidade de vida humana: aumento gradativo da temperatura global, degradação ambiental, redução de terras férteis e alterações profundas do clima em diferentes regiões.
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O que é Carne Carbono Neutro?
O conceito de Carne Carbono Neutro, criado pela Embrapa, tem o objetivo de mitigar as emissões de gases do efeito estufa (GEE), principalmente o metano, que é gerado pelos bovinos de pasto. Esse selo certifica a produção de carne que adota práticas sustentáveis, exigindo a plantação de árvores como uma forma de compensar o impacto ambiental da pecuária.
A ideia central desse sistema é a integração entre gado, lavoura e floresta, conhecida como Sistema Agrossilvipastoril. A criação de gado é combinada com o cultivo de árvores, formando um ambiente que melhora a eficiência do uso da terra e ajuda a neutralizar as emissões de carbono.
Segundo a Embrapa Gado de Corte, a plantação de 200 árvores por hectare é suficiente para neutralizar a emissão de metano de até 11 bovinos adultos por hectare por ano, tornando essa abordagem um marco em termos de sustentabilidade no setor agropecuário.
Além de reduzir as emissões, o sistema contribui para a regeneração de áreas degradadas, melhora a qualidade do solo e aumenta a biodiversidade.
Essa prática oferece uma solução inovadora e viável para a produção de carne mais sustentável, embora ainda enfrente desafios para a implementação em larga escala, como os custos e a adaptação dos produtores.
A biotecnologia também tem sido uma aliada na reciclagem de resíduos da pecuária. Subprodutos que antes eram descartados agora são tratados como bioingredientes, agregando valor e reduzindo o impacto ambiental. Segundo Paulo Silveira, da FoodTech Hub Latam, que participou da Arena TecnoCarne 2024, a biotecnologia contribui para a conversão de peptídeos e colágeno no setor de carnes em produtos de valor.
Qual a diferença entre a Carne Carbono Neutro e a carne tradicional?
A principal diferença entre a Carne Carbono Neutro e a carne tradicional está nas práticas sustentáveis. A Carne Carbono Neutro adota um sistema de produção que neutraliza as emissões de gases de efeito estufa através da plantação de árvores que absorvem carbono. Já a carne tradicional não segue essas práticas, contribuindo diretamente para o aumento das emissões de gases poluentes.
No sistema de Carne Carbono Neutro, é utilizado o Sistema Agrossilvipastoril, responsável por promover a regeneração do solo, conservação da biodiversidade e a captura de carbono. Em contraste, a pecuária tradicional normalmente é realizada em sistemas de pastagem ou confinamento, sem foco na sustentabilidade ou no reflorestamento.
Outra diferença importante é a certificação. A Carne Carbono Neutro recebe um selo que garante sua produção sustentável, oferecendo uma opção mais ecológica ao consumidor. A carne tradicional, por outro lado, não possui certificação que assegure a neutralização das emissões, tornando seu impacto ambiental maior.
Como é o manejo da CCN na prática?
De acordo com Roberto Giolo de Almeida, pesquisador da Embrapa Gado de Corte que participou da Arena TecnoCarne 2024, o Brasil, que detém 20% do mercado global de carne, adota três abordagens principais para mitigar o impacto ambiental: manejo eficiente das pastagens, alimentação sem uso de suplementos e melhoramento genético. O manejo da Carne Carbono Neutro (CCN) envolve um equilíbrio cuidadoso entre a criação de gado e a preservação ambiental.
Esse modelo combina pastagem com árvores, o que além de fornecer sombra para os animais e melhorar o bem-estar deles, contribui para a neutralização das emissões de gases de efeito estufa (GEEs).
O uso adequado de forrageiras é fundamental, pois erros no manejo podem levar à degradação da pastagem, especialmente em períodos de seca. Técnicas como desbaste e desrama das árvores ajudam a reduzir o sombreamento excessivo, promovendo uma melhor produção forrageira.
Além disso, o componente arbóreo precisa ser monitorado para garantir que o sequestro de carbono pelas árvores compense as emissões de metano dos bovinos.
Espécies de rápido crescimento, como o eucalipto, são comumente utilizadas, já que têm alta capacidade de captura de carbono e podem gerar produtos de valor agregado, como madeira para móveis, prolongando o tempo de fixação do carbono.
Outro aspecto importante é o manejo sanitário dos animais, que deve estar em conformidade com a legislação vigente, incluindo vacinas e controle de doenças, para garantir tanto a qualidade do produto quanto a sustentabilidade do sistema.
Benefícios da carne carbono neutro
A Carne Carbono Neutro (CCN) surge como uma inovação fundamental na busca por um setor agropecuário mais sustentável e responsável.
Novidades na cadeia de produção incluem o uso de biogás e biometano como alternativas para reduzir as emissões de carbono. Essas soluções já estão sendo adotadas por grandes frigoríficos, como a JBS, que investe em biodigestores para transformar resíduos em energia renovável.
Abaixo, destacamos os principais benefícios da Carne Carbono Neutro, que refletem seu potencial para transformar a cadeia produtiva e atender às demandas de um mercado cada vez mais consciente.
Bem-estar animal
As mudanças no sistema de pastagem, promovidas pela Carne Carbono Neutro, trazem benefícios significativos para o ambiente e o bem-estar animal.
Ao integrar árvores às áreas de pasto, o sistema proporciona sombra natural, melhorando o conforto térmico dos animais. Esse ambiente mais equilibrado reduz o estresse, o que impacta diretamente a saúde e o desenvolvimento do gado.
Essas melhorias no manejo refletem na qualidade da carne, tornando-a mais macia e com sabor superior, aspectos que o consumidor percebe.
Nos frigoríficos, o bem-estar animal é assegurado por meio de monitoramento contínuo e implementação de práticas corretivas, garantindo que as condições de manejo respeitem tanto a saúde dos animais quanto às exigências de sustentabilidade.
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Atendimento das necessidades dos consumidores
Os consumidores estão se tornando cada vez mais exigentes em relação à qualidade dos produtos e ao manejo animal ao longo da cadeia de produção, e práticas sustentáveis se tornam diferenciais competitivos.
Segundo pesquisa da Embrapa, 25% dos entrevistados concordariam em pagar mais por uma carne com selo de sustentabilidade seguindo os pilares do ESG. “Hoje o consumidor está mais exigente, e isso vai pressionar o produtor”, conta o pesquisador da Embrapa.
A demanda social e de consumo por produtos de origem sustentável e regularizada para as diferentes dimensões da produção (trabalhadores, terra e animais) é um gancho para agregação de valor significativo, como aponta Juan Carlos Lebrón, superintendente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu e Executivo da JLC Consultoria para o portal Food Connection.
Lebrón enfatiza que os avanços na área serão rápidos e a comercialização de produtos CCN será acelerada. Além disso, o consultor afirma que os consumidores estão dispostos a pagar mais por esse tipo de produto. O desenvolvimento desse mercado é bastante promissor.
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Aumento da produtividade
O selo criado por pesquisadores brasileiros representa uma inovação mundial. A Embrapa foi pioneira ao desenvolver um projeto focado na sustentabilidade do setor cárneo, sem perder de vista os interesses dos produtores.
A metodologia da Carne Carbono Neutro (CCN) oferece vantagens para todas as etapas da cadeia produtiva de carnes, especialmente para aqueles que optam por um manejo mais sustentável.
Os produtores que adotam práticas mais limpas e mantêm áreas florestais em pé colhem diversos benefícios. A CCN facilita a recuperação de pastagens degradadas, aumentando a área disponível para produção e elevando a produtividade nas áreas de criação de gado.
Garantia de compromisso com o meio ambiente
A adoção dos conceitos de ESG (Ambiental, Social e Governança) tem proporcionado ao mercado uma compreensão mais ampla de que a sustentabilidade não apenas beneficia o meio ambiente, mas também gera rentabilidade e projetos econômicos viáveis.
O debate sobre o carbono zero para indústria de carnes já faz parte de agendas mundiais e programas de políticas de sustentabilidade alimentar e ambiental.
As principais indústrias frigoríficas assumiram um compromisso público de neutralização das emissões de carbono até 2040, ano considerado chave para a geopolítica ambiental por marcar outros tratados e acordos que visam a redução ou anulação da emissão de gases poluentes.
Selo Carne Carbono Neutro (CCN)
O Selo Carne Carbono Neutro (CCN) é uma certificação que garante que a carne bovina foi produzida de forma sustentável.
Essa certificação é concedida a produtores que adotam o sistema de integração entre pecuária e floresta, no qual o sequestro de carbono pelas árvores plantadas compensa as emissões de metano dos bovinos.
Além de atestar o compromisso com práticas ambientais responsáveis, o selo assegura que o processo de produção segue rigorosos critérios de sustentabilidade, contribuindo para a redução do impacto ambiental da pecuária.
Como obter o selo CCN?
Segundo as regras da Embrapa, para obter o Selo Carne Carbono Neutro (CCN), o produtor deve seguir uma série de exigências e procedimentos. Primeiramente, é necessário que os animais sejam criados com alto grau de bem-estar animal, em sistemas em integração do tipo silvipastoril (pecuária-floresta, IPF) ou agrossilvipastoril (lavoura-pecuária-floresta, ILPF).
O produtor precisa monitorar o ganho de peso dos bovinos durante o período de criação, garantindo um mínimo de seis arrobas de carcaça por cabeça, com base em pesagens feitas tanto na entrada quanto na saída do sistema.
É essencial que os animais abatidos apresentem certas características, como maturidade dentária entre 0, 2 e 4 dentes e um nível adequado de acabamento de gordura, conforme o Sistema Brasileiro de Tipificação de Carcaças Bovinas.
O saldo de carbono é calculado transformando as emissões de metano dos animais e o carbono sequestrado pelas árvores em CO2 equivalente, de acordo com protocolos estabelecidos pela Embrapa. Cumprindo esses critérios, o produtor pode se qualificar para receber o selo, garantindo que sua produção neutralize os impactos ambientais causados pelos bovinos.
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Desafios para uma produção sustentável
Ainda que o leque de oportunidades do campo da Carne Carbono Neutro seja notório e toda a cadeia produtiva seja impactada, um dos desafios para o sucesso da nova linha de produtos brasileiros está na ponta final: como educar cada vez mais consumidores com lições de sustentabilidade? Como estimular maior desembolso pelo consumo de um produto certificado e reconhecido pelos órgãos de pesquisa?
Portanto, o desafio deste negócio é a escalabilidade, para que o valor seja reduzido e possa ficar acessível para mais pessoas. Esses movimentos de negócio são simultâneos e interdependentes.
A marca Viva é a parceira da Embrapa no desenvolvimento da Carne de Carbono Zero. Para o desenvolvimento dessa nova linha o investimento foi de 10 milhões de reais.
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