Por Verônica Toledo, Head de Recursos Humanos na The Magnum Ice Cream Company

Você já parou para pensar na importância da área de Recursos Humanos no contexto da indústria alimentícia? Especialmente em setores como o de sorvetes – no qual sou especialista –, que dependem fortemente de sazonalidade, logística em cadeia fria e operações altamente sensíveis, o RH passou por uma transformação silenciosa nos últimos anos, mas essencial. Se antes a área era reconhecida por funções transacionais, hoje ela ocupa lugar no centro da estratégia de negócios, capaz de mover o ponteiro das empresas de forma antes inimaginável.  

A atuação estratégica do RH começa, inevitavelmente, pela presença ativa nas decisões centrais da companhia. A indústria hoje representa um cenário que enfrenta grandes desafios, mudanças operacionais e novos investimentos que precisam de agilidade e flexibilidade. Por isso, o setor de Recursos Humanos deve estar envolvido em todas as frentes – planejando a força de trabalho, prevendo gaps de competências e alinhando desenvolvimento com o direcionamento do negócio.

Essa abordagem integrada permite ao RH deixe de ser visto como “executor de processos” para atuar como agente de transformação. É nesse campo que a área entrega ainda mais valor: ao conectar desenvolvimento humano com metas de produtividade, segurança e sustentabilidade, e propor um plano de ação efetivo para isso.

Mais do que isso: um RH verdadeiramente estratégico se orienta por dados. Acompanhamos indicadores próprios. como turnover, clima organizacional e engajamento, e analisamos como esses indicadores impactam diretamente outras áreas. Usamos KPIs e ferramentas analíticas para entender onde estamos, onde queremos chegar e o que precisa ser ajustado ao longo do caminho. Acreditamos que os dados são essenciais para apontarem os direcionamentos e estratégias.

Mas como tudo isso acontece na prática? O que torna essa atuação possível dentro da realidade da indústria? A resposta está na forma como o RH responde às transformações do setor e, principalmente, em como ele integra pessoas e estratégia em todos os níveis da operação.

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Desafios enfrentados dentro e fora da fábrica

Em meio a um cenário de inovação constante e novas exigências regulatórias e sociais, o setor industrial precisa equilibrar a modernização tecnológica com a valorização do capital humano. Manter competitividade enquanto se promove inclusão, sustentabilidade e eficiência operacional é um desafio real, especialmente em estruturas complexas em um país do tamanho do Brasil, com operações sazonais e times diversos.

Em ambientes fabris, especialmente os que operam com alta rotatividade na base da pirâmide, os desafios se tornam ainda mais agudos. A formação técnica da mão de obra é um ponto sensível de conhecimento geral no Brasil e que exige investimento contínuo. Ao mesmo tempo, novas gerações chegam com outras expectativas, muitas vezes priorizando ganhos imediatos ou buscando maior flexibilidade, o que exige das empresas um esforço adicional para atrair, engajar e reter talentos.

Conciliar esses vetores de transformação com a valorização da força de trabalho é o que diferencia empresas que apenas operam com o seu RH, de organizações que se reinventam.

Formação técnica como resposta concreta

Diante desse cenário, investir em qualificação se torna essencial. Programas estruturados de capacitação ajudam a reduzir a rotatividade, preparar melhor os times e ampliar a empregabilidade. Além disso, fortalecem a autoestima dos colaboradores e oferecem segurança diante de transformações como automação e IA, promovendo tanto o upskilling quanto o reskilling dentro da própria empresa.

A liderança como guardiã da cultura

Além da capacitação técnica, um ponto que costumo trazer como essencial na equação da excelência operacional é o papel dos líderes, seja da fábrica ou do escritório. São eles os principais porta-vozes da cultura, os termômetros do clima organizacional e os primeiros agentes de acolhimento em situações de crise ou desmotivação.

Por isso, programas robustos de desenvolvimento de liderança são indispensáveis, e digo que o modelo ideal é aquele que é adaptável à realidade de cada operação. Na The Magnum Ice Cream Company, por exemplo, enquanto no verão o foco está em agilidade e resiliência, nos meses mais brandos, as competências de engajamento, segurança e qualidade ganham protagonismo. Treinamos nossos líderes para serem flexíveis e terem uma leitura contínua das necessidades do time, repassando os aprendizados que eles recebem do time de Recursos Humanos. Essas são, sem dúvidas, características-chave de uma liderança industrial bem-sucedida.

Bem-estar também é produtividade

Por fim e não menos importante, o investimento em saúde mental, apoio emocional e bem-estar físico e nutricional deixou de ser um “plus” para se tornar pilar da produtividade. Programas de suporte psicológico, jurídico e social são fundamentais para garantir um ambiente de trabalho equilibrado, especialmente em operações com múltiplos turnos ou equipes em campo.

O cuidado precisa ser igualitário: negligenciar parte do time afeta diretamente o clima organizacional e a eficiência da operação. Por isso, para que o RH contribua de forma estratégica, ele precisa estar presente nos processos que envolvem a totalidade da operação. A participação em fóruns de planejamento e em reuniões multidisciplinares que envolvam logística, produção, vendas e os times de P&D, fortalece o papel integrador do RH.

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Como agimos dentro de casa

Na Kibon, marca com mais de 80 anos de atuação no Brasil, temos uma operação complexa envolvendo produção em larga escala e times amplos de vendas em campo. Por isso, o RH assumiu um papel protagonista para ter um olhar holístico sobre todas essas frentes. Exemplo disso é o Programa de Desenvolvimento de Liderança, que prepara gestores para lidar com as nuances da sazonalidade extrema do setor de sorvetes (como os picos de demanda no verão e a reorganização de equipes no pós-estação).

Além disso, iniciativas como a formação técnica em parceria com o SENAI e o programa de bem-estar interno mostram como é possível equilibrar alta performance e cuidado com o colaborador. Na prática, esse modelo de RH contribui diretamente para resultados tangíveis: redução do turnover, ganho de eficiência, aumento da qualidade e uma cultura forte que retém talentos e atrai aqueles que estão hoje mais distantes, como as gerações mais novas.

RH não é apenas um apoio à operação, mas sim parte dela. Transformar pessoas é transformar resultados, e isso exige mais do que boas intenções: demanda estrutura, dados, escuta ativa e, sobretudo, coragem para ocupar os espaços de decisão. Quando isso acontece, o RH deixa de atuar somente em sua própria bolha e passa a influenciar diretamente os principais indicadores do negócio – desde o aumento da produtividade industrial até a melhoria nos índices de satisfação dos clientes.

O futuro da indústria alimentícia e da indústria como um todo, passa pela capacidade de unir produtividade com humanização. E é nesse ponto de equilíbrio que o RH encontra seu papel mais valioso: ser o elo entre a estratégia e as pessoas que a tornam possível.