Em um cenário de crescente demanda nutricional, escassez de terras cultiváveis e alta emissão de carbono, a indústria alimentícia enfrenta o desafio de encontrar alternativas sustentáveis às proteínas animais. Especialistas alertam sobre uma diferença significativa nas projeções entre o crescimento populacional e a disponibilidade de proteínas, tornando urgente o desenvolvimento de soluções tecnológicas e sustentáveis, como a proteína de levedura e micélio.
Nesse sentido, as empresas do setor têm investido tempo, dinheiro, capital humano e intelectual para encontrar novas fontes de proteína para além das tradicionais mais conhecidas, como gado, frango, suínos, peixes e ovos. E os resultados têm sido animadores, ainda que haja um caminho a ser trilhado para a aplicação em escala industrial de algumas soluções mais encantadoras.
É o caso da proteína de levedura (Saccharomyces cerevisiae) produzida pela Angel Yeast Brasil. A proteína de levedura Angel Pro é vegana, sem alergênicos e ambientalmente amigável, com 80% de proteína pura e pontuação PDCAA (Protein Digestibility Corrected Amino Acid Score) “perfeita”, segundo escala oficial, de 1.0, que é a pontuação mais alta que uma proteína pode receber e significa que o corpo pode absorver e utilizar 100% dos aminoácidos essenciais.
Além disso, a solução possui digestibilidade lenta, superior à proteína do leite, o que contribui para uma sensação de saciedade prolongada. A Angel Yeast oferece três tipos de proteínas de levedura, uma delas é a F80, com sabor direcionado para produtos salgados. Outra é a F84, com sabor neutro, sem residual metálico, aplicável em produtos doces e salgados. Por fim, a KA308, que é 100% translúcida e solúvel, ideal para aplicações em bebidas.
“Estamos trazendo uma solução com propriedades tão ricas quanto uma proteína de leite ou carne, mas que seja limpa, sem alergênicos e com tecnologia para suprir a demanda da população daqui a alguns anos”, explicou Adriana Fuchs Ramos, gerente de Produtos da Angel Yeast Brasil, durante o congresso Summit Future of Nutrition, da Fi South America 2025.
Outras proteínas que têm pontuação total nesta escala são ovo, leite, soja, carne e peixe. No caso da levedura, há ganhos com relação a essas opções relacionados à eficiência da produção e sustentabilidade. A biomassa utilizada na produção dobra em apenas algumas horas, não requer terras aráveis e garante produção estável independentemente das condições climáticas.
Além disso, um dos diferenciais mais expressivos da proteína de levedura é sua baixa pegada de carbono. Segundo dados apresentados no painel “Sustentabilidade integrada com Tecnologia em Fermentação – Proteína de Levedura”, apresentado por Ramos, a emissão de carbono da proteína de levedura é de apenas 1,33, contra 25-20 de uma proteína animal. Portanto, a proteína de levedura reduz entre 93,35% e 94,68% da pegada de carbono em comparação com a proteína animal.
A proteína de levedura oferece qualidade, desempenho e escalabilidade. Pode ser aplicada em diversos produtos, incluindo laticínios, bebidas, snacks, produtos nutricionais veganos, carnes plant-based e produtos de panificação. Adriana mencionou que já existem produtos com Angel Pro em prateleiras de mercados na China, Coreia, Japão, Índia, Estados Unidos, Europa e México.
Quanto à rotulagem, Adriana esclareceu que, de acordo com a Anvisa, o produto pode ser declarado como “levedura inativa seca”, “levedura autolisada” ou “extrato de levedura”, conforme a preferência do fabricante.

Alimentação à base de micélio
Uma alternativa às proteínas animais e vegetais que ainda é vista como novidade e pode impactar na saudabilidade da população e do planeta é a aquela produzida a partir do reino fungi.
Paulo Ibri, CEO da foodtech Typical, durante a FiSA 2024, explicou que a Typical trabalha com micélio (fungos comestíveis), uma estrutura natural dos fungos, que proporciona uma nova fonte de proteína e fibra. A empresa é responsável por desenvolver o primeiro produto mush-based do Brasil.
Este ingrediente é produzido por meio de fermentação líquida, que tem se mostrado mais eficiente e rápida comparada a processos semelhantes na Europa e nos EUA. Com o crescimento populacional e a necessidade de novos alimentos, a Typical busca oferecer soluções que atendam tanto a demanda por proteínas quanto às preocupações ambientais.
A empresa utiliza resíduos da indústria alimentícia para alimentar seus biorreatores, promovendo a economia circular e reduzindo a pegada de carbono e hídrica. Paulo detalhou dois principais produtos da Typical: a biomassa fresca e o micélio em pó.
A biomassa fresca, com textura semelhante ao frango desfiado, é ideal para alimentos como análogos de carne e produtos híbridos. Já o micélio em pó é utilizado em produtos de indulgência, como cookies e chocolates, oferecendo benefícios nutricionais sem comprometer o sabor.
A Typical também está desenvolvendo a primeira proteína concentrada de micélio para suplementação e nutrição esportiva, prometendo uma concentração muito maior de proteína com um paladar aprimorado.

Sabor e indulgência
Paulo Ibri conta que a proteína de micélio pode ser “misturada” com a proteína de origem animal, ajudando, por exemplo, a reduzir o consumo de carne sem abrir mão do quesito sabor.
“Falando do consumidor híbrido, especificamente, nós estamos mirando no carnívoro, que, na maioria dos casos, topa reduzir o consumo de carne, porque ele entende que comer carne todo dia não é extremamente saudável. Porém, o carnívoro tem muita dificuldade de abrir mão do quesito de prazer, de indulgência. Então, tentamos equilibrar o melhor dos dois mundos”, afirmou Ibri.
“O micélio reduz em 50% a gordura, por exemplo, e, ao mesmo tempo, não afeta a questão de indulgência. A textura fica idêntica à da proteína animal e o sabor também, pelo produto ser muito poroso e absorver o sabor e imitar a textura da carne”, disse o CEO da foodtech Typical.
Na mesma toada de redução de impactos na saúde e no meio ambiente, a palestra “Tecnologia Microcap: Estabilidade e Eficiência em Cristalização Lipídica”, realizada pela empresa Kerry, no Summit Future of Nutrition 2024 , mostrou como a indústria pode reduzir o uso de gordura saturada em alimentos sem comprometer o sabor.
A tecnologia da Kerry libera cristais de gordura microencapsulados uniformemente quando em contato com gordura trans free e de baixa saturação, atuando como sementes de cristalização. A solução visa atender às demandas do consumidor e da indústria de alimentos por produtos mais saudáveis e saborosos.