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A atuação do varejo contra o desmatamento na Amazônia

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A atuação do varejo contra o desmatamento na Amazônia.png
Os grandes supermercados brasileiros têm a responsabilidade de contribuir para a conservação da Amazônia, enfrentando os desafios ambientais atuais através do monitoramento da cadeia de produção de carne bovina.

*Por Débora Bianca Câmara Moreira Mora

A sustentabilidade está cada vez mais presente nas preocupações dos varejistas, que buscam maneiras de reduzir o impacto ambiental e social de suas operações de compra. Nesse sentido, muitas empresas estão adotando práticas em suas operações, tais como a redução do uso de plásticos, a implementação de embalagens recicláveis, promoção de produtos sustentáveis e a redução do consumo de energia elétrica.

Além dessas práticas, os varejistas têm investido em iniciativas de responsabilidade social corporativa, apoiando comunidades locais e causas ambientais. Porém, um olhar mais atento revela uma grande lacuna quanto às políticas voltadas para a cadeia produtiva da carne bovina.

Quando se fala no setor varejista, mais especificamente de grandes supermercados, dificilmente encontramos uma política de sustentabilidade sólida, com controles mais abrangentes sobre a cadeia produtiva.

Na política ambiental do varejo, muitas vezes não há uma estrutura que inclua a rastreabilidade voltada ao controle da cadeia da carne ou iniciativas de proteção à Amazônia, de forma que evidencie um compromisso contra o desmatamento e a mitigação de outros impactos ambientais.

Uma pesquisa realizada pelo Radar Verde, em 2023, revelou que 95% dos maiores varejistas do Brasil possuem um controle da cadeia pecuária muito baixo, refletindo a falta de transparência e eficácia no controle do desmatamento. Dos 69 supermercados analisados no estudo, nenhum possui controle sobre os fornecedores indiretos, o principal desafio de monitoramento da cadeia da pecuária.

Os fornecedores indiretos são as fazendas que fornecem o gado para os fornecedores diretos, os quais, por sua vez, vendem aos frigoríficos. Em relação aos fornecedores diretos, apenas Assaí Atacadista, Carrefour Comércio e Indústria Ltda e Grupo Pão de Açúcar (GPA) implementam medidas de controle, segundo o levantamento.

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O estudo também notou que muitas vezes a única preocupação e tema abordado nas políticas de sustentabilidade dos varejistas são voltadas para a reciclagem de materiais e redução do consumo de energia elétrica.

Estas políticas, via de regra, apresentam iniciativas que nem sequer se aprofundam em uma das maiores problemáticas da cadeia produtiva: o monitoramento da procedência do gado utilizado na produção da carne vendida nos supermercados.

Como está o monitoramento da cadeia da carne no Brasil por parte dos varejistas?

Mulher jovem com um carrinho de compras olha carne fresca no supermercado.png

A última pesquisa realizada pelo Radar Verde avaliou 69 supermercados no Brasil, sendo que 50 correspondem às maiores redes varejistas do país, segundo o ranking de faturamento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Os outros 19 foram compostos pelos maiores supermercados dos estados da Amazônia Legal.

Para avaliar essas empresas, o Radar Verde adotou dois indicadores em 2023:

  1. Grau de Transparência Pública: avalia se as informações disponibilizadas pelas empresas mapeadas revelam a política de controle do desmatamento na cadeia da carne e se sua eficácia é comprovada por meio de auditoria independente realizada pela empresa.
  2. Grau de Controle da cadeia: avalia as políticas contra o desmatamento e os indicadores de seu desempenho. Nesta avaliação são verificadas as políticas e indicadores para controle da origem (direta e indireta) da carne, bem como sua eficácia comprovada por meio de auditoria independente realizada pela empresa.

O levantamento revelou que apenas 5% dos principais varejistas do Brasil possuem algum tipo de controle sobre a cadeia da carne bovina. A ausência de uma política de sustentabilidade eficaz por parte das empresas do setor tem impacto direto na Amazônia, perpetuando a pecuária como a principal causa do desmatamento na região.

É essencial o desenvolvimento de diretrizes que promovam transparência e rastreabilidade nos fornecedores, assegurando uma produção livre de desmatamento. Por isso, também é crucial a implementação de práticas agrícolas sustentáveis, como a intensificação do gado em áreas já desmatadas, o combate ao desmatamento ilegal e a fiscalização rigorosa das propriedades rurais para garantir conformidade.

Além de possíveis sanções internacionais, o artigo 13 do Código Penal brasileiro estabelece o seguinte princípio: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.”

Em outras palavras, se o varejista não exigir que frigoríficos e produtores, por exemplo, adotem medidas de rastreabilidade e outros controles na cadeia de produção de carne, conforme preconizado em sua política de sustentabilidade, estará agindo com omissão e poderá ser responsabilizado subsidiariamente pelos crimes ambientais, como desmatamento e grilagem, eventualmente cometidos por seus fornecedores.

Desafios de Internacionalização

O caso do grupo francês Casino Guichard-Perrachon, que controla marcas como Pão de Açúcar, Assaí e Extra Hiper, sendo acusado judicialmente na França por comercializar carne de fornecedores envolvidos em desmatamento ilegal na Amazônia,  destaca a importância de leis como a ‘Lei de Vigilância’, promulgada em 2017.

Esta lei, inspirada por eventos como o desabamento do prédio Rana Plaza, em Bangladesh, que resultou na morte de mil pessoas devido às precárias condições de trabalho nas fábricas de vestuário, estabelece que grandes empresas devem garantir que suas filiais e subcontratadas não violem os direitos humanos, a saúde, a segurança das pessoas e o meio ambiente.

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Este exemplo evidencia como a legislação busca responsabilizar as empresas por práticas que contribuam para problemas socioambientais, como o desmatamento na Amazônia, e destaca a necessidade de políticas de sustentabilidade abrangentes e eficazes para proteger ecossistemas sensíveis e promover práticas comerciais responsáveis.

Apesar de afirmar possuir um sistema rigoroso de controle de fornecedores, os supermercados do grupo francês no Brasil continuam vendendo carne proveniente de áreas protegidas. Isso é apontado por um novo levantamento do Laboratório InfoAmazonia de Geojornalismo em parceria com o Centro para Análises de Crimes Climáticos (CCCA), que analisou mais de 500 mil registros de movimentação de animais em áreas próximas a dois frigoríficos da JBS SA, fornecedora de carne para o grupo, no período de 2018 a 2022.

Este contexto deixa claro a urgência de uma política de sustentabilidade mais abrangente sobre a cadeia produtiva, especialmente no que diz respeito à cadeia de fornecedores de carne, para evitar o incentivo ao desmatamento na Amazônia. É fundamental que os varejistas tenham um controle efetivo sobre suas cadeias de fornecimento, garantindo que não haja desmatamento direto ou indireto associado aos produtos que vendem.

Como consumidores, temos o poder de pressionar as empresas a adotarem práticas mais sustentáveis e responsáveis em suas operações. Além disso, o poder legislativo deve desempenhar um papel crucial ao sancionar leis que promovam a sustentabilidade e proteção ambiental. É possível impulsionar uma mudança significativa em direção a uma cadeia produtiva mais sustentável e responsável, protegendo, assim, a Amazônia e seu ecossistema vital.

 

*Débora Bianca Câmara Moreira Mora atua na pesquisa e desenvolvimento do Radar Verde. É consultora, gestora ambiental, bacharel em Direito, especialista em Sistema de Gestão Ambiental ISO 14001. Tem experiência nas áreas de meio ambiente, rastreabilidade e sustentabilidade de frigoríficos.

 

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