A inovação no setor alimentício brasileiro está cada vez mais atrelada a uma colaboração entre estado e iniciativa privada, não apenas como financiadores, mas como parceiros ativos no desenvolvimento e na adoção de novas tecnologias. Quando governos compram soluções inovadoras e utilizam suas universidades e hubs tecnológicos em favor de novas tecnologias, nasce um ciclo virtuoso capaz de transformar produção, distribuição e nutrição.

No Brasil, instrumentos como o Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), previsto no Marco Legal das Startups, permitem que órgãos públicos licitem soluções ainda em estágio de P&D, testando-as em ambiente real. Além disso, estudos do IPEA apontam que as compras públicas para inovação são fundamentais para gerar demanda estável por tecnologias emergentes, reduzindo riscos para startups e atraindo mais investimento.    

Entretanto, para que esse arranjo funcione, é preciso mais do que leis favoráveis: exige articulação ativa entre universidades, empresas e poderes públicos.

As grandes empresas do setor alimentício têm buscado cada vez mais integrar foodtechs incubadas em universidades (especialmente as públicas) para acelerar a inovação interna. No painel “Conectando Ciência e Negócios”, do Summit Future of Nutrition, da FiSA 2025, Eduard Fontcuberta, líder regional de Inovação da Givaudan, destacou que a empresa consegue produzir todos os 5 mil ingredientes que oferece ao mercado internamente e que a nova geração de foodtechs, muitas provenientes de projetos acadêmicos, têm trazido inovação em sustentabilidade e economia circular.

Quando empresas investem ou firmam parcerias com essas startups, elas capturam novas soluções tecnologicamente maduras e reduzem o risco de desenvolvimento interno. É uma prática eficiente de inovação aberta: o setor privado faz “outsourcing criativo” e acaba absorvendo novos produtos e processos com menor risco ao longo do ciclo de inovação.

Na Unicamp, segundo Vital Yasumaru, gestor da Inova Unicamp, a incubadora da universidade pública de Campinas, o NIT (Núcleo de Inovação Tecnológica) gerencia cerca de 1.400 patentes, das quais mais de 270 já foram licenciadas. Ele apontou que “a principal patente que a Unicamp licenciou é da Engenharia de Alimentos, gerando mais de R$1,5 milhão anualmente para a universidade”. Essa comercialização cria retorno para reinvestimento em pesquisa e estimula novos projetos de spin-offs.

Atualmente, a Unicamp possui 74 spin-offs acadêmicas, algumas premiadas internacionalmente, o que reforça a capacidade de transformação de ideias de laboratório em empresas reais.

Compra pública de inovação: o poder da demanda governamental

O setor público não pode ficar apenas no papel de fomentador, ele precisa comprar as inovações, é o que afirmam alguns dos especialistas presentes no painel. Essa estratégia fortalece o ciclo produtivo e dá escala às startups e ao setor como um todo. 

Luciana Hashiba, pesquisadora e comunicadora da FGV / CCD Circula – Centro de Ciência para o Desenvolvimento de Soluções para os Resíduos Pós-Consumo: Embalagens e Produtos, ressaltou que “se você representa várias empresas, várias ICTs, várias perspectivas da sociedade, você tem mais voz com o governo”, o que fortalece a negociação de contratos públicos. No painel, também foi lembrado que a validação real de uma inovação é sua inserção em contratos de compra. “Validação é quando ocorre a venda. Se não vender, não validou.”

Legalmente, o Brasil já dispõe de modalidades como o CPSI para compras de soluções inovadoras, e a nova lei de licitações (Lei 14.133/2021) traz dispositivos mais flexíveis para contratação de inovação. No entanto, muitos governos ainda enfrentam barreiras culturais e regulatórias. Por exemplo, gestores que preferem contratos convencionais ao menor preço e certa aversão ao risco inerente à inovação.  

Apesar do arcabouço legal para fomentar a inovação, o uso efetivo dessa modalidade por governos é ainda marginal. Para mudar isso, é necessário incorporar a inovação ao planejamento estratégico do Estado, capacitar gestores públicos e reconhecer que comprar inovação é política industrial, não mera despesa.

Inovação público-privada no setor alimentício: exemplos e implicações

No ecossistema alimentício, hubs de inovação têm criado ambientes colaborativos onde foodtechs testam protótipos e empresas maduras validam no mercado real. O Tropical Food Innovation Lab, apresentado por Paulo Silveira, que é gestor do hub, é exemplo disso. O Tropical é uma parceria público-privada que oferece infraestrutura e conectividade entre startups e grandes empresas.

No âmbito regulatório, Vital Yasumaru, da Unicamp, destacou que a interface com órgãos como Anvisa e MAPA é feita pela universidade, mas ainda sem “caminho facilitado”, ou seja, a inovação no setor de alimentos sofre os mesmos obstáculos regulatórios que qualquer produto novo. “A barreira regulatória é necessária, mas não temos caminho facilitado, é igual para todo mundo”, afirmou.

A atuação do hub CCD Circula, coordenado por Luciana Hashiba, mostra como unir empresas, ICTs e governo pode acelerar aproximações: projetos com novos materiais, nanotecnologia em embalagens e iniciativas para inclusão de tecnologia no setor escolar foram colocados em prática justamente porque há estrutura formal de coordenação.