Por Valéria Michel* 

“Nós não somos invisíveis, nós somos ignorados”. Frase que ouvi uma vez de uma catadora e da qual nunca me esqueci. Em poucas palavras, ela resumiu uma realidade que, embora passe desapercebida por muitos, é essencial para que a economia circular continue a existir: o papel das cooperativas de reciclagem e das pessoas que nelas trabalham.

E esse papel muito bem desempenhado por cooperativas de catadores e catadoras de materiais recicláveis pode ganhar ainda mais força quando elas se unem e trabalham em rede. Este movimento tem ganhado espaço, ainda que não na velocidade que poderia, em todo país, o que significa que, quando duas ou mais cooperativas se unem para vender seus resíduos recicláveis, conseguem fazer a roda dos seus negócios girar mais rápido, beneficiando não apenas o meio ambiente, mas também o ganho financeiro das entidades.

Impulsionadas por movimentos sociais e pela necessidade de geração de renda de pessoas que viviam da coleta de recicláveis, as associações de catadores surgiram no Brasil nos anos 1990. Hoje, mais de trinta anos depois, elas continuam sendo o elo mais importantes para a reciclagem do país.

São essas cooperativas que, na prática, tornam possível que materiais recicláveis descartados retornem ao ciclo produtivo, retransformando o seu valor. Porém, apesar de sua relevância, elas ainda enfrentam desafios, como a falta de visibilidade, de reconhecimento e de interação direta com outros elos dessa cadeia, como com as indústrias produtoras de embalagens ou recicladoras e em alguns casos até mesmo com os consumidores.

Entre as muitas dificuldades, a venda direta, sem intermediários para indústria recicladora, é uma das mais críticas. Entretanto, iniciativas de trabalho em rede tem mostrado caminhos promissores para fortalecer a comercialização direta dos materiais. Quando atuam sozinhas, algumas cooperativas levam mais tempo para reunir o volume mínimo definido pela indústria recicladora – normalmente uma carga completa ou aproximadamente 10 a 12 toneladas – para a venda.  

Já de maneira colaborativa, acumular este volume é um processo muito mais ágil: a união de diferentes cooperativas permite a formação de uma carga e possibilita a comercialização sem intermediários com a indústria recicladora, aumentando significativamente o valor de venda dos recicláveis.

Diante desse cenário, a venda em conjunto se mostra transformadora. O trabalho em rede, para as cooperativas, significa criar uma conexão de compartilhamento de infraestrutura, informações e canais de venda. Juntas, elas podem negociar volumes e valores, reduzir custos logísticos e alcançar compradores que, individualmente, acabam por ser inacessíveis. Esse modelo representa um novo modo de repensar a sustentabilidade, que valoriza a colaboração e fortalece o senso comunitário da economia circular, além de ser uma excelente estratégia operacional.

Posso citar como exemplo concreto, e de sucesso, a criação da Rede Norte que, com o apoio da Tetra Pak, reuniu 20 associações de catadores no interior do Espírito Santo para a venda conjunta de cerca de 20 toneladas de embalagens longa vida ao longo deste ano até agora. Foi graças a essa adesão que o tempo médio de escoamento de material diminuiu em aproximadamente 89%.

Além disso, também em 2025, a Tetra Pak já apoiou 206 entidades, em 16 estados e no Distrito Federal, no envio de carga em rede – e o valor pago por tonelada pelo reciclador mais do que dobrou. Como resultado, até outubro, mais 1.200 toneladas de embalagem longa vida foram escoadas em rede.

Esse espírito colaborativo, exemplificado pela experiência da Rede Norte, mostra como a união fortalece toda a cadeia. E esse fortalecimento das cooperativas pode ser impulsionado por diferentes atores – pessoas físicas, empresas privadas e o poder público – cada um, dentro de suas capacidades, contribuindo para que mais iniciativas como essa floresçam.

É importante frisar que é necessário garantir que essas associações tenham condições para operarem com autonomia, segurança e previsibilidade, para que se insiram integralmente na cadeia de reciclagem. Falo por experiência própria, porque a Tetra Pak tem investido em projetos de trabalho em rede e sentido bastante os retornos positivos da reciclagem das nossas embalagens cartonadas. E não precisa de muitos recursos, mas sim dose de vontade política e visão socioambiental, com estratégias de negócios que envolvam sustentabilidade.

Além de suporte com equipamentos, esse fortalecimento também inclui o acesso à capacitação e ao reconhecimento institucional para que o trabalho já existente dessas organizações seja tratado como uma parte essencial da solução ambiental. Hoje, a força da economia circular não se baseia apenas na inovação tecnológica – um catalisador essencial para escalar o impacto – mas na corresponsabilidade.

Os consumidores, por exemplo, têm um papel determinante na efetividade da reciclagem, ao separar corretamente os resíduos, com atenção à sua limpeza e ao descarte adequado. Materiais sujos ou misturados a rejeitos, como restos de comida, podem inviabilizar o trabalho das cooperativas. Já o poder público é capaz de criar políticas que incentivam a coleta seletiva, garantam infraestrutura, promovam a educação ambiental e, não menos importante, valorizam o trabalho dos catadores como parte essencial da gestão de resíduos.

As empresas privadas com seu poder de transformação, por sua vez, conseguem atuar como conectoras dessas redes de associações, aproximando cooperativas que podem trabalhar juntas, mas também facilitando o acesso a transportadores, compradores de materiais recicláveis e até do poder público. Ao apoiar a cooperação entre associações, essas companhias possibilitam um sistema mais eficiente e justo, capaz de gerar renda e circularidade.

O desafio brasileiro, hoje, é justamente a falta de articulação entre cada um dos elos que compõem essa cadeia. Reconhecer essa conexão – e dar a ela a importância devida – é o caminho para a construção conjunta, da qual as cooperativas são um pilar essencial, de um amanhã mais sustentável. Podemos perceber, graças ao exemplo do trabalho em rede, que é na união entre quem produz, consome e transforma que a sustentabilidade deixa de ser um discurso e se torna uma prática.

Rumo a esse futuro, então, os próximos passos são não apenas passar a verdadeiramente enxergar, mas transformar essa nova visão em ações concretas.

Para conhecer mais sobre o trabalho em rede apoiado pela Tetra Pak, acesse: https://www.tetrapak.com/pt-br/campaigns/gqr-rede

*Valéria Michel é Diretora de Sustentabilidade Brasil e Cone Sul da Tetra Pak