O avanço recente da Inteligência Artificial tem provocado uma corrida por eficiência em muitas organizações. Em meio a esse movimento, cresce um fenômeno que merece atenção: decisões estruturais importantes, como a reorganização de equipes, estão sendo tomadas antes mesmo de se compreender com clareza o que a IA, na prática, é capaz de entregar. Em outras palavras, a velocidade das expectativas parece estar maior do que a maturidade da própria tecnologia.

Uma boa metáfora para esse momento é a do prático que conduz navios em portos complexos. A experiência acumulada ao longo de décadas, conhecendo correntes e bancos de areia, por exemplo, não pode ser substituída simplesmente por alguém que estudou o porto nos livros. A teoria ajuda, mas não substitui a sensibilidade necessária para tomar decisões em condições reais. Algo semelhante ocorre quando imaginamos que modelos de IA podem assumir, sem preparação adequada, processos que dependem profundamente de conhecimento tácito e julgamento especializado.

Essa pressa tem causas compreensíveis. Pressões por redução de custos, discursos sedutores sobre agentes autônomos e a expectativa de ganhos rápidos acabam estimulando líderes a acreditar que a automação pode resolver desafios históricos de produtividade. Porém, como toda tecnologia que está no auge do hype, é comum que a solução pareça mais simples do que realmente é quando vista apenas pela ótica das promessas.

Do ponto de vista técnico, é importante reconhecer que os modelos disponíveis hoje ainda apresentam limitações significativas. Eles funcionam muito bem como assistentes, mas nem sempre mantêm a consistência necessária para assumir tarefas repetitivas e críticas. À medida que a complexidade aumenta, esses modelos tendem a perder precisão, variar respostas ou interpretar instruções de forma inconsistente. Esses comportamentos, já amplamente documentados, indicam que ainda estamos distantes de um cenário em que sistemas possam operar de maneira plenamente autônoma.

Quando decisões sobre automação são tomadas sem considerar essas limitações, surgem riscos que vão além da eficiência técnica. Há impactos operacionais já que processos importantes podem ser comprometidos pela falta de estabilidade. Há também implicações reputacionais, como demonstram casos recentes em que empresas precisaram revisar iniciativas de IA após erros visíveis ao público. E há, por fim, riscos estruturais: a substituição precoce de especialistas pode retirar da organização exatamente o conhecimento necessário para interpretar, validar e ajustar os resultados produzidos pelos modelos.

Um ponto central dessa discussão é distinguir automação de autonomia. A automação depende de processos bem definidos, dados confiáveis e repetições estáveis. A autonomia, por sua vez, exigiria que os modelos fossem capazes de tomar decisões com discernimento, interpretar nuances e aprender com erros de forma robusta. Hoje, a Inteligência Artificial ainda atua de maneira limitada nessa segunda dimensão. E confundir essas duas camadas é justamente o que leva muitas empresas a decisões precipitadas.

Uma adoção responsável começa com experimentação cuidadosa. Projetos-piloto precisam ser orientados por métricas de risco e não apenas por entusiasmo. Processos mais sensíveis devem manter especialistas envolvidos na supervisão, não como obstáculo, mas como parte da construção de confiança. Além disso, estratégias de automação só funcionam quando apoiadas por arquitetura de dados sólida, governança clara e expectativas realistas sobre tempo, investimento e resultados.

Em síntese, a IA tem potencial para transformar operações e abrir novos horizontes de produtividade. Mas esse potencial é mais bem explorado quando as decisões são tomadas com equilíbrio, atenção às limitações e respeito ao conhecimento acumulado pelas pessoas que conhecem profundamente o funcionamento do “porto” de cada organização. A tecnologia avança rápido, mas a maturidade da sua adoção depende de um ritmo que combina prudência, aprendizado e visão de longo prazo.

Sobre o autor: Carlos Eduardo Carvalho, Sócio-Diretor e CEO da Bridge & Co., é Engenheiro de Produção e Mestre pela COPPE/UFRJ. Possui MBA Executivo pela Fundação Dom Cabral e especialização em Plataformas Digitais pelo MIT. É especialista em Business Transformation com ênfase em automação de processos, análise avançada de dados e Inteligência Artificial. Atua também como palestrante, autor e professor de pós-graduação em instituições como UFRJ, FGV e UFJF.