Como em toda grande indústria, as soluções mais inovadoras no setor de alimentos e bebidas saem de dentro dos laboratórios de P&D, com amostras da biotecnologia produzidas em pequena escala. Após vencido o desafio de chegar a uma solução confiável, estável e segura, há outra barreira a transpor, a da escalabilidade. Ou seja, reproduzir aquele produto em escala industrial. Esse foi um dos principais desafios que executivos e pesquisadores da indústria de alimentos e bebidas apresentaram durante um dos painéis da FiSA 2025

Rosana Goldbeck, que é professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp e uma das fundadoras da startup Future Cow, que usa fermentação de precisão para produzir proteínas do leite, mencionou a dificuldade em desenvolver amostras em quantidade suficiente para testes industriais, destacando a importância de parcerias com empresas como a Allbiom, empresa que fabrica equipamentos e oferece serviços de bioprocessos e biotecnologia e que dispõe de fermentadores de maior escala.

Eduardo Sidney, cofundador e CTO da Typcal, enfatizou a importância da acessibilidade dos produtos desenvolvidos. Segundo ele, embora inicialmente os produtos possam ter custo mais elevado devido à escala reduzida, o objetivo da Typical é tornar sua proteína a mais barata do mercado à medida que a escala de produção aumenta.

Gleidson Teixeira, um dos fundadores da BioinFood, sugeriu o uso da escala TRL (Technology Readiness Level) ou Nível de Maturidade Tecnológica para alinhar expectativas entre startups e indústrias, destacando que muitas vezes o maior dispêndio de recursos não está na fase exploratória inicial, mas na transição para escalas industriais maiores. Esse método, criado pela NASA, foi adaptado e é utilizado pela indústria de alimentos para avaliar a maturidade da empresa em questão de processos e equipamentos tecnológicos que possam garantir a escalabilidade da produção dos novos produtos. 

Impacto Social e Ambiental

Os especialistas destacaram o potencial das tecnologias apresentadas para reduzir impactos ambientais. Eduardo Sidney compartilhou dados validados mostrando que o processo da Typcal tem produtividade 7 mil vezes maior que proteínas animais e vegetais convencionais, consumindo 98,5% menos água e emitindo 99% menos gás carbônico.

Já Rosana Goldbeck enfatizou que as proteínas alternativas não visam competir com o agronegócio tradicional, mas complementá-lo com processos mais sustentáveis. Ela destacou o trabalho com biorrefinarias integradas, que aproveitam todas as frações de resíduos para gerar múltiplos bioprodutos, otimizando o retorno econômico.

Gleidson Teixeira ressaltou a importância da geração de empregos qualificados no setor de biotecnologia, mencionando que sua empresa emprega principalmente mestres e doutores, contribuindo para a absorção de profissionais altamente qualificados pelo mercado.

Os especialistas, que estiveram juntos discutindo essas e outras ideias durante o painel “Biotecnologia na Produção de Alimentos” da FiSA, evidenciaram o potencial transformador da biotecnologia na indústria alimentícia, apresentando soluções inovadoras que podem contribuir para um futuro mais sustentável e economicamente viável para o setor.

Cases em biotecnologia no setor de alimentos e bebidas 

Goldbeck destacou o trabalho desenvolvido na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp no aproveitamento de resíduos agroindustriais através de processos enzimáticos e fermentativos, desenvolvendo oligossacarídeos funcionais e pectina. Já na Future Cowl, ela e sua equipe têm trabalhado com fermentação de precisão para produção de proteínas do leite como caseína, BLG (do whey protein) e lactoferrina, utilizando leveduras para expressar proteínas idênticas às do leite bovino.

Sidney, da Typcal, apresentou a tecnologia de micélio desenvolvida por sua empresa, segundo o executivo, de maneira pioneira. A Typcal utiliza fermentação líquida para cultivar fungos, aproveitando subprodutos da indústria alimentícia como fonte de nutrientes. O processo desenvolvido pela empresa é, segundo Sidney, o mais rápido do mundo para produção de micélio, completando-se em apenas 17 horas. O produto final contém 45% de proteína e 35% de fibras, apresentando excelente perfil nutricional.

Teixeira, da BioinFood, compartilhou sua experiência no desenvolvimento de leveduras modificadas para melhorar processos industriais no setor alimentício. Entre os casos de sucesso, mencionou o desenvolvimento de um produto à base de casca de aveia que recebeu premiação como ingrediente mais sustentável, além de tecnologias para ressignificação de produtos, como a conversão de farinha de babaçu em ingrediente rico em proteína.