A convergência regulatória entre países do Mercosul está transformando o cenário de inovação na indústria alimentícia, especialmente no Brasil e Argentina. Agora, o Brasil espera se aproximar de outros mercados como o da União Europeia e dos Estados Unidos, atendendo às demandas regulatórias daquelas regiões. Esse foi o tom de um dos debates sobre regulação no setor de alimentos e bebidas promovido pelo Summit Future of Nutrition, realizado durante a Food Ingredients South America – FiSA 2025.
Alexandre Novachi, diretor de Assuntos Regulatórios e Científicos da ABIA (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), destacou que isso tem sido possível porque o Brasil avançou significativamente em seu ambiente regulatório nos últimos anos. “Um indicador do Banco Mundial aponta que, há oito anos, o Brasil estava entre as posições 125 e 130 em um ranking de facilidade para trabalhar do ponto de vista regulatório dentro de um grupo de cerca de 180 países. Hoje, o país está na posição 82”, contou Novachi, ressaltando que este progresso é resultado de uma agenda de governo que inclui a Lei de Liberdade Econômica e a Lei das Agências Reguladoras.
Nesse sentido, Novachi destaca também o avanço em curto espaço de tempo da transparência das decisões da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), com especial menção às análises de impacto regulatório e à convergência regulatória. “Nós temos hoje um ambiente regulatório muito amigável e com previsibilidade, que é uma coisa que o setor sempre pediu muito”, complementa o especialista.
A convergência regulatória, segundo Novachi, é relativamente recente no Brasil e agora está materializada. Patrícia Fernandes Nantes de Castilho, gerente-geral de Alimentos da Anvisa, explicou que essa convergência diz respeito ao alinhamento do que pode ou não pode em determinado segmento, neste caso, especificamente, no setor de ingredientes para alimentos e bebidas, conforme as definições de diferentes agências regulatórias.
“Mesmo com o benefício de facilitação, se mantém a autoridade e tomada de decisão da Anvisa”, garante Castilho. Ela explica que, dentro do conceito de convergência regulatória está o de confiança regulatória, também conhecido como reliance. “Trata-se da possibilidade de uma autoridade reguladora nacional considerar e utilizar total ou parcialmente as avaliações e decisões de outras autoridades reguladoras que entende como confiáveis, respeitando sempre sua soberania e independência.”
Segundo Castilho, a Anvisa emitiu recentemente uma instrução normativa que estabelece requisitos para o peticionamento e define quais autoridades internacionais são consideradas referências. “É uma avaliação otimizada, baseada nessa confiança regulatória, mas não é uma aprovação tácita. Existe uma avaliação”, esclareceu.
Argentina implementa novo sistema para produtos importados
Eugênia Muinelo, gerente de Relações Públicas e Regulação da EAS Strategies, trouxe informações sobre mudanças recentes na Argentina. Em janeiro de 2025, o governo argentino aprovou uma nova regulamentação para produtos importados que já possuem aprovação de agências regulatórias internacionalmente reconhecidas, incluindo União Europeia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão e países com acordos sanitários com a Argentina, como o Brasil.
Na Argentina, a agência equivalente à Anvisa é a Anmat (Administración Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica). A Anmat e a Anvisa são autoridades de referência no âmbito da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Juntas, as agências integram importantes fóruns internacionais de convergência regulatória, e acompanham discussões sobre aspectos regulatórios no âmbito multilateral.
“Se você tem um produto importado que vem do Brasil, que já foi aprovado pela Anvisa, mesmo que seja um novo ingrediente ou um alimento inovador, e quer entrar na Argentina, mesmo que o produto não cumpra com as regras argentinas, ele pode ser importado”, detalhou Muinelo. Este processo, chamado de “aviso de importação”, é automático e realizado online, embora a rotulagem ainda precise cumprir as regras argentinas. Isso é fundamental para o fomento do setor de alimentos e bebidas entre os países vizinhos, dado que a Argentina segue sendo uma das grandes parceiras comerciais do Brasil, e vice-versa.
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A aproximação da Anvisa com a Anmat e a evolução regulatória do Brasil são incrementadas pelo ganho operacional na produção de novos ingredientes no mercado interno como alguns dos grandes fomentadores do mercado local.
Castilho compartilhou dados sobre o tempo médio de aprovação de novos ingredientes no Brasil: 389 dias para o processo regular e 238 dias para o processo otimizado. “Já foi muito pior, 500-600 dias”, comentou. Ela também esclareceu que ingredientes que não estão aprovados em nenhuma agência de referência ainda podem ser avaliados pela ANVISA, que possui experiência nesse tipo de análise desde 1998.
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Sobre a reciprocidade entre agências, Castilho mencionou que atualmente a EFSA (Europa) e o FDA (EUA) não têm reciprocidade com a Anvisa, mas há um caminho para isso através da transparência e publicização dos pareceres. “A Argentina tem aberto esse canal para os produtos autorizados pela Anvisa. É uma grande vitória para a agência e para o mercado, porque favorece a exportação não só de matérias-primas, mas também de produtos acabados”, destacou.
Quanto ao futuro da convergência regulatória, Muinelo acredita que levará tempo para entender como funcionará o novo sistema argentino, especialmente em relação à rastreabilidade dos produtos no mercado. Já Castilho vê um cenário promissor, com empresas cada vez mais maduras em relação ao processo regulatório, entendendo que a inovação deve estar alinhada com as evidências científicas, sempre com o norte de que a segurança é inegociável.
Os especialistas concordaram que, apesar dos avanços na convergência regulatória, a segurança permanece como um aspecto inegociável. “Está na missão da Anvisa proteger e promover a saúde da população. Essa segurança é inegociável”, afirmou a representante da agência brasileira.
Convergência também entre entes públicos e privados
Luiza Zanatta, proprietária da NutraLíder Consultoria, ressaltou que as empresas precisam entender que o regulatório não deve ser visto como uma barreira: “Os caminhos da regulação precisam ser alinhados com as expectativas de lançamento”, destaca a consultora, ao ponderar que as duas pontas, da indústria e da regulação, estão encontrando uma relação mais produtiva com o passar do tempo.
“Dentro de um projeto de inovação, as empresas precisam ter ideia desse tempo (de aprovação de novos ingredientes), considerar os caminhos e não abandoná-los, porque quando você abandona, está largando mão da inovação”, alerta.
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