Ao se deparar com metas não cumpridas ou uma demanda inesperada, muitos gestores ainda optam por um caminho aparentemente simples: autorizar horas extras. Aumentar a jornada de trabalho parece ser uma solução rápida para “dar conta do recado”. Mas será mesmo que o problema está no tempo? Ou estamos apenas mascarando ineficiências que já fazem parte da rotina produtiva?

A gestão do tempo nas operações industriais precisa ser compreendida de forma estratégica. Em vez de considerar a hora extra como solução padrão, é preciso enxergá-la como um sinal de alerta. Afinal, a necessidade constante de ampliar a carga horária para alcançar resultados indica que o processo, como está, não se sustenta por si só.

O custo oculto das horas extras

O custo financeiro das horas extras é o mais visível, mão de obra fora do horário padrão significa aumento direto na folha de pagamento. Porém, existem custos mais difíceis de mensurar, mas igualmente perigosos: a exaustão da equipe, o aumento de falhas e retrabalho, o desengajamento e a perda de produtividade no longo prazo.

Estudos em ambientes industriais demonstram que a produtividade individual tende a cair após determinado limite de carga horária. Em outras palavras, mais tempo nem sempre é sinônimo de mais entrega e frequentemente é o contrário. O cansaço físico e mental gera perda de foco, aumento de erros operacionais e pode levar, inclusive, a acidentes de trabalho.

Além disso, há o impacto na saúde mental e no clima organizacional. Equipes frequentemente submetidas a jornadas estendidas tendem a se sentir sobrecarregadas, o que compromete a motivação e acelera a rotatividade. Ou seja, aquilo que parecia ser uma solução prática se transforma em um ciclo vicioso.

Leia mais: Cultura operacional e jornada da felicidade no ambiente fabril: Você tem certeza que o problema é falta de tempo?

Mas afinal, por que precisamos de horas extras?

É fundamental fazer a pergunta certa: por que estamos recorrendo a horas extras? A resposta costuma estar nas diversas formas de desperdício oculto que se acumulam ao longo do processo produtivo. A metodologia Lean nos ajuda a identificar oito grandes tipos de desperdício: superprodução, tempo de espera, transporte desnecessário, excesso de processamento, estoques excessivos, movimentações desnecessárias, defeitos e o não aproveitamento do talento humano.

Vamos explorar cada um desses pontos com mais profundidade, entendendo como eles afetam o tempo e por que, muitas vezes, mascaram os verdadeiros problemas.

1. Superprodução: produzindo além do necessário

Produzir acima da demanda não é sinal de eficiência, mas de desperdício. Quando se fabrica mais do que o necessário, cria-se uma pressão artificial sobre os recursos, inclusive o tempo. Produtos que ficarão armazenados demandam espaço, controle, movimentação e, eventualmente, retrabalho por obsolescência ou perda de qualidade.

Aplicar a curva ABC, fazer uso de ferramentas de previsão de demanda e implementar políticas de produção puxada, como o kanban, podem evitar esse desequilíbrio. Menos estoque também significa menos horas para cuidar dele.

2. Tempo de espera: o silêncio que consome recursos

Tempo parado é tempo perdido. A espera por materiais, por aprovações, por liberação de máquinas ou por ordens de produção representa um dos desperdícios mais ignorados e, muitas vezes, um dos mais caros. A resposta costuma ser colocar mais gente, mais turno, mais hora extra.

Mas o que precisa ser feito é atacar o problema na origem. Um mapa de fluxo de valor (VSM)
pode identificar esses pontos de espera e embasar melhorias no planejamento, na programação
da produção e na manutenção.

3. Transporte desnecessário: o retrabalho do caminho

Quando materiais precisam se deslocar diversas vezes dentro da fábrica sem necessidade real, isso gera atrasos e aumenta a complexidade das operações. Muitas vezes, a causa está em um layout mal planejado. O simples redesenho das células de trabalho pode trazer ganhos imensos em produtividade e evitar que a equipe precise “compensar o tempo perdido” com horas extras.

4. Excesso de processamento: quando o simples resolve

Processos mal definidos ou mal padronizados muitas vezes incluem etapas redundantes ou controles excessivos. Isso aumenta o tempo de ciclo das operações e sobrecarrega os colaboradores. Uma análise crítica dos processos, com foco na simplificação e padronização, pode liberar tempo e reduzir a necessidade de estender jornadas.

5. Estoques excessivos: espaço ocupado, tempo desperdiçado

O acúmulo de materiais e produtos acabados além do necessário afeta diretamente o fluxo
produtivo. Além de ocupar espaço, exige mais movimentação, inspeção, controle e manuseio.
Com isso, o tempo da equipe é consumido por tarefas de baixo valor agregado.

A gestão de estoques baseada em dados reais, com sistemas de inventário rotativo e revisão
periódica de políticas de reposição, ajuda a manter os níveis ideais e evitar o excesso de trabalho
para controlar o desnecessário.

6. Movimentação desnecessária: o cansaço invisível

Deslocamentos repetitivos e mal planejados dentro da área de trabalho afetam diretamente a produtividade individual. Seja por má ergonomia, seja por falta de organização, o tempo útil do colaborador é consumido por ações que não geram valor.

Aplicações de kaizen, com a participação da equipe, frequentemente identificam melhorias simples como mudar o posicionamento de um equipamento ou redimensionar bancadas que trazem ganhos expressivos.

7. Defeitos e retrabalho: o tempo gasto em fazer de novo

Erros operacionais, falhas de qualidade ou especificações mal definidas resultam em retrabalho, um dos principais geradores de horas extras. Quando a produção precisa ser refeita, perde-se tempo duplamente: primeiro ao fazer errado, depois ao refazer.

Ferramentas como Controle Estatístico de Processo (CEP), Six Sigma e auditorias de processo
ajudam a identificar causas de variação e reduzem drasticamente os índices de defeito.

8. Desperdício de talentos: quando não usamos todo o potencial da equipe

Quando colaboradores são subutilizados, seja por alocação inadequada ou por falta de autonomia, perde-se uma fonte valiosa de melhoria. Times desmotivados produzem menos e exigem mais supervisão, o que afeta diretamente o tempo disponível da liderança e a fluidez dos processos.

Estimular a participação em grupos de melhoria contínua e programas de sugestões é uma forma eficaz de transformar esse desperdício em oportunidade. O envolvimento direto dos colaboradores contribui para processos mais eficientes e soluções mais simples, sem a necessidade de estender a jornada.

Trabalhar mais ou trabalhar melhor?

A grande vantagem de aplicar as ferramentas da qualidade, como o PDCA, o Pareto, o 5 Porquês ou o Ishikawa, é a capacidade de ir direto à raiz do problema. Em vez de insistir em trabalhar mais, conseguimos trabalhar melhor. Com menos desperdício, mais foco, mais fluidez e mais valor.

Na indústria de alimentos, onde margens apertadas e exigências sanitárias são realidades constantes, essa abordagem é ainda mais estratégica. Reduzir desperdícios não só melhora a produtividade, mas também impacta diretamente na segurança dos processos, na qualidade do produto final e na competitividade no mercado.

Hora extra é sintoma, não solução

A prática constante de horas extras deve ser vista como sintoma de um processo que não está funcionando plenamente. Ignorar isso é postergar o problema ou até agravá-lo. Por outro lado, encarar a situação com uma visão analítica e aplicar as ferramentas da melhoria contínua é uma forma prática e eficaz de construir uma operação mais sustentável.

Antes de recorrer à carga horária adicional, vale a reflexão: o problema realmente é tempo ou estamos deixando passar os desperdícios que nos fazem acreditar nisso? Melhorar a produtividade não exige, necessariamente, mais esforço, mas sim, inteligência e método.