Por Carlos Eduardo Carvalho, Sócio-Diretor e CEO da Bridge & Co.*

A febre pelo uso de Inteligência Artificial (IA) está presente em praticamente todos os setores da economia – e não é diferente na indústria de alimentos e bebidas. Líderes empresariais têm buscado identificar formas de incorporar a IA aos seus negócios, seja pelo receio de ficarem para trás ou pela oportunidade de tornar suas operações mais eficientes e modernas.

A corrida pelo pote de ouro tecnológico já aconteceu antes. Em outros tempos, não muito distantes, empresas precisaram pivotar suas estratégias para acompanhar o advento da internet, da venda online, dos aplicativos móveis e dos negócios digitais. Agora, estamos vivendo a repetição de um ciclo, com características peculiares quando se trata de Inteligência Artificial.

O que torna a Inteligência Artificial diferente dos outros ciclos?

O principal aspecto que difere a IA dos outros ciclos de transformação tecnológica é o seu grau de democratização e o potencial de impacto pulverizado em praticamente todas as áreas corporativas. Ao contrário do hype dos CRMs (Customer Relationship Management), que interessou especialmente às áreas comerciais e de marketing, a IA – principalmente quando falamos de IA generativa e dos grandes modelos de linguagem (LLMs, do inglês large language models) – já está atingindo usuários de todos os setores corporativos. Basta acessar o ChatGPT ou o Microsoft Copilot que, desde analistas juniores até CEOs, todos começam a se surpreender.

Então, temos alguns pontos de destaque para levar a IA um pouco mais a sério enquanto potencial de transformação:

  • Democratização e pulverização do uso, atingindo todos os níveis hierárquicos e departamentos.
  • Casos de uso diversos e ainda em fase de descoberta, que vão desde otimização de escrita e busca por conhecimento até redução de erros operacionais e ganhos de produtividade comercial (para citar alguns).
  • Custos de entrada baixo (reforço a palavra “entrada”): começar a usar IA normalmente é barato – pelo modelo de negócio de subscrição single user. Porém, a escalada do uso corporativo é mais complexa e cara.
  • Capacidade de comunicação em linguagem natural: característica das LLMs, que rompe a barreira de que “lidar com tecnologia é complexo”. Entender de programação deixou de ser requisito para utilizar a maioria dos aplicativos de IA.

Diante disso, o mundo tem observado uma adoção crescente de modelos de IA para diferentes casos de uso. A corrida por ter uma estratégia “AI first” chamou atenção não apenas de gestores, mas principalmente de acionistas e investidores, que enxergaram um potencial significativo de ganho de valor, seja na redução de custos e despesas, seja na captura de novas receitas.

Agora, onde não usar a IA (ainda)?

Como é comum nas grandes ondas de transformação, é sempre necessário entender os riscos, restrições e contraindicações da aplicação da tecnologia. Com Inteligência Artificial não é diferente. Conforme as empresas vão avançando na análise casos de uso, alguns aprendizados começam a emergir.

Meu papel aqui é compartilhar com os leitores o que tenho acumulado de experiência na posição de sócio de consultoria, responsável pela prática de IA na empresa onde estou.

Primeiro, você precisará ter muita clareza sobre duas palavras que precisam estar presentes no seu método de avaliação de uso: fluência x precisão.

Quando você imaginar a experiência de conversação com uma LLM, seja o ChatGPT ou o Copilot, tente associar a facilidade de usar linguagem natural e receber respostas completas (do ponto de vista semântico e gramatical) à palavra fluência. Modelos de linguagem são treinados para oferecer alta fluência. Isso significa que são focados em ter dinamicidade na interação, a ponto de deixar o usuário confuso se quem está escrevendo aquilo é uma máquina ou um ser humano.

Porém, nem sempre a fluência dos modelos de linguagem é acompanhada de precisão. Em outras palavras, os LLMs alucinam. Por trás da interface que você usa, há tecnologias de transformação que foram desenvolvidas com bases probabilísticas. Ou seja, a essência tecnológica dos transformers é feita para gerar boas respostas, mas nem sempre as respostas corretas. Muitas vezes, a baixa precisão vem acompanhada de uma ótima fluência (ou seja, boa experiência de comunicação textual ou verbal), e você não percebe que o output está errado. Isso é da essência dos LLMs. Para que tenhamos um modelo livre de alucinações, precisaremos de outro caminho tecnológico, ainda não conhecido.

Com isso, trago a minha principal contribuição.

  • Só use IA generativa, principalmente os modelos do estilo “GPT”, quando o seu caso de uso permitir algum grau de alucinação. Seja porque você terá validadores humanos (ou até automatizados) na ponta para verificar e corrigir, seja porque a possibilidade de um pequeno erro estatístico não comprometerá sua empresa. Exemplo: uso de modelos “GPT” para sugerir campanhas de marketing de conteúdo ou templates de normas e documentos internos.
  • Não use esse tipo de tecnologia quando você precisar de alta precisão, especialmente quando seu caso de uso impactar processos de negócio sensíveis e que tenham na acurácia sua forma de gerar valor. Exemplos: diagnóstico médico por imagem, detecção de bactérias em alimentos, recomendações de investimento e similares. Para esses casos, o uso de modelos de IA generativa, acompanhados de LLMs na configuração padrão corporativa (um chat conversacional que reduz a necessidade de interfaces de sistemas), ainda não é o caminho mais adequado.

Digo “ainda” porque precisamos avançar, no mercado e na academia, com pesquisas sobre redução de alucinações e vieses. Por enquanto, aplicações desse tipo precisam vir sempre com o “humano no loop”, ou seja, com curadores especialistas garantindo que o output dos modelos seja adequado – e dando feedback quando necessário.

Por fim, vale lembrar que por mais que não sejam novos e atraentes quanto as aplicações “GPT like”, os bons e velhos modelos de IA tradicional continuam sendo altamente recomendados quando há necessidade de precisão. Modelos de regressão logística, métodos de florestas aleatórias e similares funcionam bem para casos de uso em que o alvo precisa ser atingido sem variações. Não se esqueça deles.

*Carlos Eduardo Carvalho, Sócio-Diretor e CEO da Bridge & Co. Fundador e CEO da Bridge & Co., é Engenheiro de Produção e Mestre pela COPPE/UFRJ. Possui MBA Executivo pela Fundação Dom Cabral e especialização em Plataformas Digitais pelo MIT. É especialista em Business Transformation com ênfase em automação de processos, análise avançada de dados e Inteligência Artificial. Atua também como palestrante, autor e professor de pós-graduação em instituições como UFRJ, FGV e UFJF.