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E se o hambúrguer que você come fosse feito de proteínas alternativas?

Article-E se o hambúrguer que você come fosse feito de proteínas alternativas?

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Saiba mais sobre a elaboração de produtos cárneos híbridos com farinhas de insetos comestíveis.

Considerações iniciais

O consumo de carne é amplamente valorizado em escala global devido ao seu perfil de sabor, aroma e textura aliado ao seu valor nutricional. A carne é considerada uma relevante fonte de proteínas de elevada qualidade devido à presença de aminoácidos essenciais, além de ser fonte de vitamina B12, ferro altamente biodisponível, zinco e fósforo. Além disso, as proteínas cárneas apresentam excepcionais funcionalidades específicas como propriedades de gelificação, emulsificação, capacidade de retenção de água e fornecimento de estrutura e coesão aos produtos cárneos, sendo, portanto, a sua substituição um grande desafio para a indústria de alimentos e pesquisadores da área.

Por outro lado, a carne e produtos cárneos possuem em sua composição determinadas substâncias (aminas heterocíclicas, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e compostos N-nitrosos) que têm sido frequentemente associadas ao aumento de risco para a ocorrência de determinados tipos de câncer. Soma-se a isto o fato de a produção animal contribuir de modo significativo para as mudanças climáticas através das emissões de gases de efeito estufa e demandar grandes quantidades de água e terra, além de outros recursos, para a criação de gado. Ao mesmo tempo, espera-se no cenário atual, um crescimento exponencial da demanda global por proteínas de alta qualidade nos próximos 20 anos, principalmente devido ao crescimento da população mundial, aumento de renda, urbanização dos países em desenvolvimento e à crescente conscientização da sociedade em relação ao binômio dieta e saúde, com maior exigência de dietas mais nutritivas e ricas em proteínas. Tal demanda poderia ser atendida de maneira mais sustentável e ambientalmente correta, aumentando a eficiência da produção de carne e, simultaneamente, introduzindo fontes alternativas de proteínas. 

Os insetos comestíveis têm sido reconhecidos como fonte de nutrientes capazes de contribuir para a crescente demanda por proteína animal de forma ambientalmente sustentável e têm se destacado como uma fonte alternativa de proteínas muito promissora. 

 

Saiba mais sobre os insetos comestíveis

De modo geral, os insetos possuem quantidades consideráveis de proteínas com concentrações balanceadas de aminoácidos, teores significativos de lipídios, incluindo ácidos graxos polinsaturados, e um conteúdo notável de micronutrientes como cobre, zinco e ferro. Contudo, o valor nutricional dos insetos é altamente variável devido à grande diversidade de espécies, dependendo também do estágio metamórfico do inseto, do habitat e de sua dieta. Além disso, apresentam alta eficiência de conversão alimentar em comparação com animais convencionais, são responsáveis ​​por uma emissão relativamente baixa de gases de efeito estufa e amônia e a sua criação requer menores quantidades de água e terra ao se comparar com a produção de gado.

Existem cerca de 2000 espécies de insetos comestíveis, de um total de mais de um milhão de espécies de insetos, que podem ser opções de alimentação tanto para humanos quanto para animais domésticos, como peixes, aves e suínos. A maior parte dessas espécies de insetos comestíveis são besouros e lagartas (49%), sendo que as demais espécies comestíveis incluem abelhas, vespas e formigas (14%); gafanhotos e grilos (13%); hemípteros (10%); libélulas (3%); térmitas (3%); e moscas (2%). Uma das espécies mais estudadas e adequadas à produção em escala industrial é o tenébrio (Tenebrio molitor) em seu estágio de larva, tanto devido ao seu valor nutricional (53,10% de proteínas, 36,7% de lipídios e 5,1% de fibras), quanto à sua facilidade de criação e por serem considerados recicladores de nutrientes, já que são capazes de se desenvolver a partir de substratos como resíduos orgânicos vegetais diversos. Além disso, o tenébrio (destacadamente as larvas) é considerado uma das espécies mais saborosas de insetos. Do ponto de vista regulatório, recentemente, a segurança do consumo das larvas secas do Tenebrio molitor foi avaliada e aprovada pela autoridade europeia para a segurança dos alimentos (EFSA) como novo alimento nos termos do Regulamento EU 2015/2283 (EFSA, 2021).

 

Produtos cárneos híbridos com insetos comestíveis

Ainda que a produção e o consumo de insetos forneçam inúmeros benefícios, a aceitação do consumidor ainda é muito baixa nas sociedades ocidentais, limitada pela neofobia alimentar (medo do consumo de alimentos novos) reforçada pelo fato dos insetos comestíveis não fazerem parte da dieta habitual. Um maior consumo pode ser alcançado quando os insetos são processados em alimentos familiares, sob a forma de pó, como farinhas por exemplo, tornando a presença deste ingrediente menos perceptível. Produtos como hambúrgueres, almôndegas, patês e salsichas elaborados com a larva de farinha de tenébrio (Tenebrio molitor), de grilo (Acheta domesticus) e outras espécies de besouros têm sido investigados em alguns estudos (Quadro 1), demonstrando melhor aceitação pelos consumidores, já que a forma como os insetos são processados tornam o seu sabor e textura quase irreconhecíveis.

Neste sentido, os insetos podem ser incorporados em produtos cárneos híbridos, nos quais uma parte da carne é substituída por estes, como uma forma de persuadir e incentivar o consumo destes produtos, promovendo, consequentemente, uma redução do consumo de proteína cárnea. Uma vez que atributos sensoriais semelhantes são esperados pelos consumidores habituais de produtos cárneos, os produtos híbridos devem necessariamente possuir propriedades análogas às tradicionais.

Quadro 1. Quadro comparativo de estudos com desenvolvimento de produtos cárneos híbridos de carne e insetos

 

Principais desafios e limitações

Em países sem hábitos de entomofagia (ato de comer insetos), como o Brasil, a atitude em relação aos insetos comestíveis é especialmente neofóbica para os consumidores, desempenhando um papel relevante na relutância das pessoas em ingerir alimentos estranhos, que induzem ao nojo, como os insetos. Para as culturas ocidentais, em sua ampla maioria, os insetos são vistos como sujos, nojentos, perigosos e frequentemente como pragas. Além disso, há uma grande preocupação em relação à segurança e aos possíveis riscos relativos a doenças decorrentes do consumo destes novos alimentos. 

A crescente introdução de insetos na dieta humana impõe, de fato, uma atenção cada vez maior às questões relativas à segurança alimentar. A avaliação da segurança de consumo dos insetos comestíveis implica no monitoramento de microrganismos nocivos, parasitas, toxinas, metais pesados, drogas veterinárias e resíduos de pesticidas. Além disso, há pesquisas que demonstram que os insetos podem ser uma fonte de substâncias alergênicas por contato, inalação ou ingestão oral. 

Quanto à contaminação microbiana, os insetos podem ser vetores de microrganismos patogênicos, contudo, se forem devidamente processados e armazenados, além dos cuidados no momento da criação para fins alimentícios, podem ser considerados seguros. Geralmente, os patógenos provenientes de insetos são específicos para a classe dos animais invertebrados (há uma grande distância do ponto de vista genético entre insetos, humanos e outros mamíferos). 

Outro ponto de fundamental importância quando se mencionam os principais desafios e limitações são as questões regulatórias. Os regulamentos diferem de forma significativa de acordo com o país e a maioria dos países ocidentais nem mesmo aborda especificamente os insetos. Esse status legal não padronizado em termos mundiais representa um dos maiores obstáculos para a indústria de insetos comestíveis, uma vez que retarda o crescimento de um mercado global destes novos alimentos. 

 

Considerações finais

Esta revisão destaca o potencial dos insetos comestíveis como fonte de proteínas e outros nutrientes de alta qualidade que podem ser incorporados em produtos cárneos como substitutos de proteína cárnea. A fim de atender às expectativas dos consumidores e das indústrias, o percentual de substituição deve ser investigado com uma adequada e criteriosa avaliação dos impactos tecnológicos, nutricionais, sensoriais e de segurança. Obstáculos primordiais precisam ser superados, tais como, o status legal não padronizado dos insetos comestíveis em todo o mundo e a aversão da população ocidental por alimentos à base de insetos.  O desenvolvimento de produtos cárneos híbridos com farinhas de insetos surge como uma estratégia promissora para fornecer produtos cárneos com funcionalidades e perfis nutritivos específicos com maior aceitação dos consumidores usando recursos sustentáveis. Contudo, exigirá investimentos em novos processos e plantas de processamento para gerenciamento apropriado para a criação e o processamento de insetos em escala industrial. Longe de esgotar um assunto tão incipiente e inovador esta revisão contribui apenas para uma discussão inicial. 

 

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