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O uso do ultrassom como coadjuvante tecnológico na indústria cárnea

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A evolução da indústria de alimentos é impulsionada por mudanças nas preferências dos consumidores, sendo constantemente desafiada a atender às demandas por alimentos saudáveis, seguros, de alta qualidade e com vida útil prolongada. Além disso, os consumidores estão cada vez mais conscientes da relação entre dieta e saúde. Assim, as tecnologias emergentes surgem como excelentes opções para se garantir a elaboração de produtos alimentícios que atendam estas crescentes exigências. Essas tecnologias, que incluem o uso de alta pressão, pulsos elétricos, microfiltração e ultrassom, têm sido desenvolvidas com especial atenção e interesse devido às características de economia, simplicidade e eficiência energética. O ultrassom é energia acústica, portanto, é uma forma de energia mecânica não ionizante, não invasiva e não poluente. É considerado um método emergente com grande potencial para controlar, melhorar e acelerar processos sem prejudicar a qualidade dos alimentos.

Nos últimos anos, o ultrassom tem sido usado com sucesso em carnes para melhorar processos como transferência de massa, marinação, maturação e consequentemente maciez e inativação de microrganismos. Além disso, nos estudos de processamento de produtos cárneos esta tecnologia inovadora tem demonstrado significativas melhorias na extração de proteínas miofibrilares, contribuindo para o aprimoramento de atributos fundamentais como textura, cor, sabor e rendimento dos produtos. Contudo, apesar das inúmeras pesquisas em uma ampla variedade de matrizes e processos, a aplicação do ultrassom em níveis industriais foi estabelecida para um número relativamente pequeno de processos. Um dos objetivos primordiais das pesquisas de ultrassom é estudar e analisar fenômenos de degradação indesejáveis e melhorias das propriedades em alimentos resultantes do tratamento ultrassônico, sendo essa necessidade particularmente importante no setor cárneo. Este artigo técnico descreve as aplicações potenciais mais recentes do ultrassom em sistemas cárneos, bem como os efeitos físicos e químicos do tratamento com ultrassom na modificação e conservação das carnes e produtos cárneos.

Mecanismos de atuação da tecnologia de ultrassom na matriz cárnea

O ultrassom é uma forma de energia gerada por uma onda mecânica longitudinal cuja frequência de vibração é superior a 20.000 ciclos por segundo (20 kHz), valor que está acima do limite audível para os humanos. Em um sistema de ultrassom a energia elétrica é transformada em energia vibracional, que é a energia mecânica transmitida por meio de sonicação (procedimento de aplicação de ultrassom). O ultrassom pode ser classificado em ultrassom de baixa intensidade (frequências acima de 100 kHz e intensidade < 1W/cm2) e de alta intensidade (frequências entre 20-100 kHz e intensidades superiores a 1W/cm2).

As ondas ultrassônicas de alta intensidade podem romper ligações intermoleculares e produzir cavitação, o que leva a modificações nas propriedades físicas dos alimentos, catalisa reações químicas, promove a inativação de microrganismos e enzimas e melhora os processos de transferência de massa. A cavitação produz um grande número de bolhas que, ao colapsar, geram elevação da pressão e da temperatura no sistema aplicado. Além disso, ao se colapsarem ou se desfazerem essas bolhas liberam micro jatos que se chocam com a estrutura das proteínas levando à formação de microfissuras, que resultam em modificação das proteínas musculares.

Tais alterações melhoram a difusão de aditivos e ingredientes na matriz cárnea, permitindo por exemplo, a redução do sal e fosfatos nos produtos cárneos, já que a cavitação ultrassônica proporciona uma maior percepção do sal e melhor extração das proteínas miofibrilares, aprimorando suas propriedades funcionais. O uso de ultrassom de alta potência também possui aplicação nos cortes cárneos visando aumento da maciez já que estudos demonstram que os efeitos da cavitação promovem um rompimento da estrutura muscular e dos tecidos conectivos. Outro exemplo, seria durante a marinação de cortes cárneos, onde o emprego do ultrassom de alta intensidade permite uma distribuição mais homogênea do cloreto de sódio (NaCl) na carne e, com isto, pode diminuir o tempo desta etapa na elaboração destes produtos.

Enfim, as aplicações desta tecnologia emergente e inovadora são inúmeras e, especialmente na última década têm sido revistas por pesquisadores e profissionais da área, tanto de forma isolada como combinada com outros métodos, para empregos que vão desde a melhoria dos atributos de qualidade como maciez, modificação das propriedades funcionais das proteínas, reestruturação de produtos cárneos, aumento da vida útil e rendimento e redução de cloreto de sódio. A Figura 1 ilustra de forma esquemática o mecanismo de atuação das ondas de ultrassom e os seus efeitos na carne e nos produtos cárneos.

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Figura 1. Ilustração esquemática dos principais efeitos do ultrassom nas carnes e produtos cárneos

Efeitos do ultrassom de alta intensidade nas propriedades físico-químicas e microbiológicas da carne e dos produtos cárneos

Capacidade de retenção de água (CRA)

A capacidade de retenção de água (CRA), como já mencionado em outros artigos técnicos, é um atributo de especial relevância para a indústria cárnea uma vez que influencia a textura, a suculência e a aparência, além de interferir nas perdas de peso durante transporte e armazenamento da carne e dos produtos cárneos. Tal propriedade pode ser definida como a capacidade da carne em reter sua própria água durante a aplicação de forças externas, como corte, aquecimento, prensagem e trituração e está intimamente relacionada com as proteínas cárneas, principalmente as proteínas miofibrilares.

Vários estudos têm avaliado o impacto do ultrassom de alta intensidade em produtos cárneos emulsionados (como salsichas) e reestruturados (como o presunto cozido) no comportamento destas proteínas em relação à capacidade de retenção de água com resultados expressivos de redução de perdas de líquido. Tais resultados são atribuídos pelos autores às mudanças na estrutura das proteínas provocadas pela cavitação o que leva uma maior exposição das proteínas miofibrilares e maior ligação com a água. Além disso o tratamento com ultrassom pode aumentar o valor do pH e reduzir mais o tamanho das partículas das proteínas e, com isto, aumentar a solubilidade das proteínas miofibrilares. Resultados positivos também têm sido relatados na aplicação do ultrassom de alta intensidade na salmoura durante a marinação de carnes, possivelmente devido a uma maior difusão do sal nos tecidos musculares o que pode aumentar a CRA.

Contudo, deve-se observar que o tempo, a frequência e a potência do ultrassom afetam as propriedades físico-químicas e funcionais das proteínas e podem resultar em efeitos diversos. Em alguns casos, uma exposição mais prolongada às ondas de ultrassom resultou em efeitos prejudiciais nas propriedades, incluindo a CRA.  A extensão das mudanças causadas na estrutura das proteínas depende ainda da espécie, tipo de músculo, tipo de fibra muscular e sua orientação, fatores bioquímicos e características do ultrassom.

pH

A determinação do pH na avaliação dos impactos causados pelo tratamento de ultrassom em carnes e produtos cárneos têm sido realizada em uma ampla variedade de estudos. Embora algumas pesquisas não tenham relatado diferenças em relação aos valores finais de pH, há fortes evidências que demonstram que o ultrassom pode levar a uma elevação dos valores deste parâmetro em matrizes cárneas. A principal hipótese para explicar este aumento é que o ultrassom de alta intensidade pode gerar radicais livres, muito reativos que interagem com as proteínas, resultando em uma diminuição nos grupos ácidos das proteínas musculares. Além disso, o aumento da temperatura e da pressão na área em volta das bolhas em colapso geradas pelo fenômeno de cavitação também pode induzir a uma desnaturação da proteína.

Efeito antimicrobiano

Os efeitos positivos das ondas de ultrassom para redução da carga microbiana em diferentes sistemas alimentares são amplamente conhecidos. Reconhecida como uma tecnologia emergente, o ultrassom promove a redução da população de microrganismos sem alterar o sabor, a cor e a qualidade nutricional dos produtos, sendo considerado uma alternativa aos métodos tradicionais de preservação dos alimentos.

A eficácia antimicrobiana do ultrassom de alta intensidade irá depender de fatores como o tempo de contato com o microrganismo, tipo de microrganismo, quantidade de alimento e seu estado físico (alimentos sólidos ou líquidos), composição, outros métodos de conservação, se estiverem sendo aplicados conjuntamente e temperatura de tratamento. A cavitação intracelular provoca um “afinamento” das membranas celulares, aquecimento e produção de radicais livres muito reativos a partir das moléculas de água, que danificam a membrana celular e o DNA.

Considerações finais

Não há dúvidas de que o ultrassom é considerado uma tecnologia “verde” altamente promissora, no entanto, não é um procedimento padrão para todas aplicações em qualquer sistema alimentar. Para cada aplicação, os parâmetros devem ser criticamente avaliados, tais como tempo, intensidade e frequência das ondas de ultrassom, assim como seus efeitos nas propriedades tecnológicas e funcionais dos alimentos.  Como todas as tecnologias inovadoras, um grande desafio é a adaptação e adequação à realidade das indústrias de alimentos, em especial das indústrias cárneas, onde várias pesquisas têm sido desenvolvidas com muito êxito em carnes e produtos cárneos, porém em escala ainda laboratorial.

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