Era 27 de janeiro de 1986 e fazia -2ºC em Cabo Canaveral, as gerações Y e Alfa não estavam sequer em projeto, mas nesse dia houve uma reunião que resultou no atraso de vários anos no programa espacial norte americano1. Nessa noite estavam reunidos em Cabo Canaveral – EUA a equipe da agência espacial americana NASA (National Aeronautics and Space Administration – Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço) e fornecedores / parceiros que participaram do projeto de lançamento do ônibus espacial Challenger. Houve, segundo o relatório de investigação do acidente2, uma discussão sobre o lançamento ou não da aeronave para sua 11ª missão espacial face à baixa temperatura ambiente que se previa para o horário do lançamento.
A decisão pelo lançamento mostrou-se equivocada quando, 73 segundos após a decolagem, a Challenger explodiu matando seus 7 tripulantes ao vivo em transmissão televisiva para todos os continentes.
O fato é que havia dados suficientes para a rejeição da decisão tomada, mas os mais experientes cientistas e profissionais da aeronáutica não foram capazes de identificar a alta probabilidade de insucesso em virtude de falhas na análise de causas frente às evidências que tinham com dados coletados em testes e lançamentos anteriores.
Fonte: Tufe´s (1987)
Analisando o quadro da figura 1, disponível para toda a equipe técnica envolvida na análise com o histórico de 24 lançamentos anteriores numerados pela ordem cronológica de execução dos testes, não foi possível chegarem a uma conclusão sobre a inviabilidade da execução a 29 F (temperatura no momento do lançamento).
Figura 2: Lançamentos anteriores ordenados
Fonte: Tufe´s (1987)
Contudo, pela figura 2, que conta com um simples reagrupamento dos dados, fica fácil verificar que todos os lançamentos abaixo de 66F (19ºC) resultaram em explosão. Mais tarde apurou-se que a causa do acidente foi a perda de resiliência do anel O-Ring devido à baixa temperatura – nessas temperaturas o anel, que sofre deformação na decolagem, não retorna a seu estado inicial ocasionando o vazamento de combustível entre os módulos dos foguetes, o que resulta em explosão. Resumo da ópera: análise de causas pobre pode resultar em tragédia.
Essa história nos remete ao problema do mundo atual, cada vez mais temos dados disponíveis e em quantidade inimaginável, contudo, se não soubermos priorizá-los e os tratar de forma adequada, podemos chegar a decisões inconclusivas ou deixarmos de enxergar a real oportunidade em questão.
Por essa razão que os cientistas de dados são os profissionais que integram obrigatoriamente o ecossistema da melhoria contínua das organizações, pois seus conhecimentos e técnicas são fundamentais para assegurarmos a disponibilização de boas informações para a geração de conhecimento, que por sua vez servem de base para a tomada de decisões.
Mas o que esses profissionais fazem de diferente? Eles seguem o método científico para priorizar e tratar os dados, de forma a agregar valor aos processos a partir da análise. Aliás, partimos do pressuposto da utilização contínua do pensamento científico para melhoria ou solução de problemas, passando obrigatoriamente pela análise de causas e a identificação da(s) causa(s) raiz(es) antes de ensaiar uma solução para o problema.
E o que é o pensamento científico? Uma forma acessível de representação de tal pensamento é o mostrado na figura 3. Trata-se da circunferência com quatro etapas, que se inicia pela identificação do problema ou oportunidade, passa pela análise de causas para então melhorar o processo ou produto. Por fim, tem-se a padronização, onde ficam as etapas de documentar e treinar a equipe. Esse modelo é particularmente útil por evitar o desconforto dos planos de ações que tratam somente de treinamentos e documentação de padrões. Apesar de importantes e necessários, esses esforços só são válidos após a determinação precisa das causas raízes do problema ou oportunidade e a consequente melhoria.
Figura 3: A circunferência do pensamento científico
O PDCA (Plan, Do, Check, Act) e o DMAIC (Define, Measure, Analyse, Improve, Control) representam as mesmas etapas do pensamento científico, com diferenças apenas didáticas mas com o mesmo cerne. Independente da sigla que o traduza, o pensamento científico constitui a grande lacuna a ser preenchida tanto por acadêmicos quanto por profissionais das corporações, uma vez que o que não passa por ele acaba numa solução com alta probabilidade de reincidência no futuro. No caso do exemplo abordado, uma análise detalhada das falhas anteriores já teria apontado para o real problema de perda de resiliência do anel de vedação a baixas temperaturas, e dificilmente teríamos originado o evento que resultou em 7 astronautas mortos.
A transformação digital com sua quantidade de dados disponíveis cria novas nomenclaturas e funções que só fortalecem a necessidade da correta utilização do pensamento científico, com sua análise de causas para solução definitiva dos problemas. A pergunta que fica é quantas Challengers com maior ou menor impactos nos processos de negócio poderiam ser evitadas com uma abordagem correta?
Referências:
- Tufe's E. R. Visual Explanations: Images and Quantities, Evidence and Narrative. Chesire: Graphics Press, P. O. 1997.
- United States. Presidential Commission on the Space Shuttle Challenger Accident. (1986). Report to the President: Actions to Implement the Recommendations of the Presidential Commission on the Space Shuttle Challenger Accident. National Aeronautics and Space Administration.