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Métodos instrumentais para mensuração da qualidade da carne – Parte III

Article-Métodos instrumentais para mensuração da qualidade da carne – Parte III

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O crescimento da indústria cárnea tem exigido mudanças constantes no monitoramento da qualidade e segurança da carne em tempo real em toda a linha de processamento, a fim de garantir produtos com um alto padrão para os consumidores. Existe uma ampla variedade de métodos para avaliação da qualidade de carnes e derivados usados em laboratórios de pesquisa e indústrias. Devido à natureza não homogênea da carne e à velocidade de operação necessária, muitos métodos laboratoriais úteis para determinar a qualidade se mostraram bastante difíceis para se implementar em linhas de processamento. Além disso, a limitação desses métodos é que eles são capazes apenas de amostrar uma área muito pequena ou um número muito pequeno de produtos em geral e, portanto, não são muito adequados para processos de produção em alta velocidade. Soma-se à estas limitações o fato da maioria das opções tradicionais serem caras e despender muito tempo para as análises.

A tecnologia de inspeção de carnes em linhas de processamento de alto volume necessita de instrumentação específica, robusta e durável para os ambientes adversos das plantas de processamento. Deste modo, nesta terceira parte desta série de artigos sobre qualidade da carne buscou-se trazer uma discussão sobre os principais métodos de avaliação desta matéria-prima, contemplando tanto os métodos tradicionais como os mais recentes da área (Fig. 1). Na carne, é essencial avaliar os principais atributos de qualidade como cor, capacidade de retenção de água, marmoreio, maciez, pH e umidade. As recentes inovações para mensuração das principais características de qualidade da carne buscam cada vez mais não serem destrutivas, serem rápidas, seguras e precisas com preparação mínima de amostras.

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Fig. 1 Demonstração de medidas instrumentais de atributos de qualidade da carne

Fonte: https://global-sei.com/sn/2013/424/3a.html; Moss et al., 2010; arquivo pessoal da autora; Battaglia, 2016.

 

Avaliação instrumental da cor

A mensuração da cor utilizando instrumentos padronizados para uma determinada fonte de luz e que detectam diferenças de coloração resulta em avaliações mais precisas da cor da carne. Os instrumentos mais utilizados para medições de cores são os colorímetros e os espectrofotômetros. Os colorímetros determinam as proporções de luzes primárias que correspondem à cor refletida ou transmitida pela amostra. As medições de cores por meio da interação da luz geralmente são feitas usando o sistema de cores da Comissão Internacional de I’ Eclairage (CIE) que fornece os espaços de cores padrão CIELAB ou CIEXYZ como referência (CIE, 2004). 

Geralmente, instrumentos como os colorímetros Minolta e Hunter Lab são utilizados de maneira mais ampla para a medição de cores, sendo que são comumente usados em carnes e produtos cárneos pela simplicidade de medição e facilidade de interpretação, além de existirem vários modelos portáteis. Cada instrumento oferece uma variedade de opções que permitem escolher entre vários sistemas de cores (Hunter, CIE e tristimulus); Iluminantes (A, C, D65 e Ultralume); ângulo de observação e tamanhos de abertura.

O CIE é definido como um sistema que classifica a cor de acordo com a resposta do olho humano. Através deste sistema, qualquer cor pode ser especificada em termos de suas coordenadas CIE. Nos instrumentos mais comuns, a cor é medida na escala L*, a*, b*, onde L* denota o brilho ou luminosidade da amostra (varia de 100 para branco e 0 para preto); a* indica o eixo vermelho-verde; e b* indica o eixo amarelo-azul. Usando os valores de a* e b*, que são coordenadas, a cor real (ângulo Hue) pode ser calculada através da equação: Hue = tan-1 b*/a*.  O índice de saturação Chroma pode ser calculado usando a seguinte equação C = (a*2 + b*2)1/2 e quanto maior for este valor, mais intensa é a cor.

Embora as medições utilizando esses instrumentos convencionais sejam rápidas e simples, a mensuração da cor ocorre a partir de vários pontos aleatórios na superfície da carne onde em seguida se calcula a média dos valores para cada amostra. Portanto, suas medidas podem não ser representativas para toda a superfície, o que demonstra uma certa limitação em termos de repetibilidade e precisão. Além disso, a superfície da carne é heterogênea e a descoloração ocorre em diversas partes de maneira diversa, fazendo com que a medida instrumental da cor pelos colorímetros não tenha sempre a mesma exatidão.

Métodos mecânicos para determinação objetiva de maciez

Força de cisalhamento

Ao longo dos anos a determinação da força de cisalhamento pelo uso do equipamento Warner-Bratzler (WBSF) tornou-se a ferramenta mais popular para medidas instrumentais de maciez objetiva da carne. A WBSF utiliza uma lâmina padronizada (espessura 1,016 mm, com uma abertura triangular) e 6 a 8 cilindros removidos de cada bife, como amostras ou corpos de prova, com 1,27 cm de diâmetro. As amostras devem ser removidas paralelamente à orientação das fibras musculares.

Por se tratar de um método altamente difundido para determinação objetiva da maciez ocorreram várias tentativas de desenvolver e publicar métodos de referência padronizados para WBSF, sendo um dos mais aceitos os preconizados pela American Meat Association (AMSA, 2016). Contudo, a maior parte dos laboratórios que utilizam esta metodologia acabam desenvolvendo protocolos próprios internamente. Isso ocorre porque há inúmeros fatores que contribuem para a oscilação de preparação de amostras tais como tempo e temperatura de cocção e resfriamento, preparação dos corpos de prova ou cilindros (dimensões, orientação da fibra muscular e modo de retirada das amostras dos bifes), além de questões relacionadas às especificações do equipamento de cisalhamento como dimensões da lâmina e velocidade do corte.

Um procedimento um pouco mais recente foi desenvolvido inicialmente nos Estados Unidos (Shackelford et al., 1999) como uma tentativa de mensurar a maciez da carne de forma mais rápida e foi denominado Slice Shear Force (SSF). Este método possui como uma das vantagens a preparação mais rápida das amostras, já que se utiliza uma única fatia de carne com 5 cm de comprimento e 1 cm de espessura, obtida a partir da extremidade lateral do músculo, também no sentido paralelo às fibras musculares. A amostra é preparada imediatamente após a cocção e a determinação da maciez ocorre em seguida. A lâmina utilizada para cisalhar é plana com a mesma espessura da utilizada no método WBSF e possui um grau de chanfro na borda de cisalhamento.

Contudo, vários autores relatam que esses métodos não são adequados para um ambiente de produção comercial em ritmo acelerado. A indústria cárnea, destacadamente a bovina, necessita de instrumentos/métodos que possam predizer a maciez da carne fresca de forma simples, rápida e não destrutiva. Neste sentido, outros métodos tem sido desenvolvidos para conseguir atender essa demanda. As técnicas de imagem hiperespectral possuem potencial promissor para avaliação dos principais parâmetros de qualidade das carnes.

Imagem Hiperespectral

A metodologia de imagem hiperespectral (HI) combina a espectroscopia com técnicas de imagem que podem extrair simultaneamente dados espectrais e informações espaciais. A tecnologia de imagem tradicional fornece uma alta resolução espacial, mas com informações espectrais limitadas, portanto, pode não ser adequada para detectar detalhes mínimos ou concentrações químicas em uma amostra. Já a espectroscopia, fornece alta resolução espectral tanto nas regiões visíveis quanto no infravermelho próximo, mas praticamente sem informações espaciais. Ao combinar a seletividade química da espectroscopia com o poder de visualização de imagens, a imagem hiperespectral é especialmente útil em situações em que vários atributos de qualidade devem ser considerados como por exemplo no caso da carne fresca. A imagem hiperespectral permite uma descrição mais completa de concentração e distribuição de componentes ou ingredientes em qualquer tipo de amostra heterogênea. A combinação dos dados da imagem, considerados dimensionais, com a adição de uma nova dimensão de informação, neste caso o espectro, dá origem aos dados da imagem hiperespectral que podem ser percebidos como um cubo de dados tridimensional.

As aplicações do sistema de imagem hiperespectral na avaliação da qualidade da carne são inúmeras e promissoras principalmente para controle de processos e monitoramento industrial para inspeção da qualidade de carnes. Algumas aplicações incluem a identificação de graus de acabamento diferenciados de carcaças, a estimativa de composição química, detecção de tumores, predição de atributos de cor, pH e maciez, dentre outras.

A natureza não destrutiva do sistema de imagem hiperespectral é uma característica relevante e instigante para aplicações em carnes e produtos cárneos no monitoramento da qualidade de maneira geral. Contudo, em seu formato atual, o sistema não é portátil, o que dificulta o monitoramento da qualidade em tempo real, além disso é muito caro e produz uma grande quantidade de dados, geralmente complexos e que demandam tempo. É necessário o desenvolvimento de dispositivos de hardware e aplicativos de software para o processamento de dados com velocidade para que se alcance aplicabilidade em tempo real.

Considerações finais

Este artigo abordou algumas metodologias clássicas para determinação de atributos de cor e textura, além de um método mais recente de sistemas de imagem hiperespectrais para mensuração de várias características primordiais da carne.  Há um crescente interesse da área de pesquisa e também da indústria cárnea no desenvolvimento de métodos efetivos, de baixo custo, rápidos e não destrutivos, que possam ser implementados em linhas de produção. Uma infinidade de métodos tem sido desenvolvidos e avaliados, sendo que esta revisão, objetivou realizar apenas uma breve descrição das principais metodologias instrumentais sem nenhuma pretensão de esgotar o tema.

Os métodos descritos possuem vantagens e desvantagens em termos de precisão, velocidade de resposta e facilidade de uso em diferentes locais (como plantas de processamento e laboratórios de pesquisa), e são ferramentas de modo geral bastante úteis para gerenciamento e monitoramento da qualidade da matéria-prima. O mercado de carnes é sempre muito dinâmico e as técnicas de medição estão em contínuo aprimoramento. Dentre os desafios dos métodos para aferição dos atributos de qualidade da carne pode-se citar a acessibilidade, a não portabilidade e complicações envolvidas nas calibrações e análise de dados que podem afetar a aplicabilidade à determinação da qualidade da carne em tempo real. O desenvolvimento de hardware de processamento rápido, aplicativos, elaboração de ferramentas simples, mas com sistemas robustos e portáteis e a subsequente adoção na indústria cárnea auxiliará de maneira significativa a melhorar a garantia de produção de carne de qualidade.

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